Saber dizer não sem birra



         São muitas as pessoas que afirmam possuir dificuldade em dizer não quando possuem escolha. Elas justificam a sua submissão à indiferença, diante de um posicionamento, alicerçadas no medo de desagradar alguém. Certa vez, construí um texto ao refletir sobre a palavra submissão, marquei que existe uma missão encoberta por ela.
Foto: Reprodução
Uma criança apresenta birra ao não aguentar os limites impostos pela realidade e tenta se proteger do que acredita ser a fonte deles: os pais ou a própria situação, através da recusa a sua mobilidade. Da mesma forma, estranhamente, um adulto também pode se enxergar amarrado por não conseguir dizer não, mesmo que não esteja sendo de fato violentado em seus direitos, mas porque, provavelmente, procura o submetimento como uma birra, uma defesa a outro ataque: feito por si mesmo ao desrespeitar o valor de sua identidade. O medo nesse último caso é de existir.
Há uma diferença entre aceitar uma situação e abafar uma posição. Cada pessoa é um ser único e especial, e, numa cultura como a nossa, onde o egoísmo e o respeito à singularidade são confundidos, a fim de que alguém não pareça individualista, não é nada raro que alguém tente se cuidar a partir de um caminho infantil: organizando uma reação birrenta com a sua própria natureza. Ou seja, é muito comum hoje observarmos pessoas que abdicaram do humor junto com a responsabilidade de assinar o seu caminho. Quem cala, não necessariamente consente, um não silenciado pode ser apenas o adiamento de um desprazer inevitável.
É fundamental reconstituirmos sempre a linha  divisória entre o conceito de individualismo e de individualidade. Para que cada um possa respeitar a si, o direito do outro não precisa ser violado. A agressividade só se transforma em ato quando há um descontrole e a submissão só se faz presente quando há um comércio com a expectativa de dominar o que é impossível: a missão encoberta.
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Um não sem birra é apenas a linha divisória que separa o que é possível escolher daquilo que não está no domínio de alguém. Amar alguém significa dizer sim ou não aos próprios desejos, porém, sempre sem submissão.
É fundamental ter a lucidez que a submissão pode agradar, mas não representa amor, pois esse é livre. O amor não está dentro de uma gaiola. Não se enganem os desamparados: aprisionados, tudo será perdido, até mesmo o amor. Acreditar no amor implica em acreditarmos que ele só cria raízes na liberdade da existência e na coerência com os valores mais íntimos.
Simone Engbrecht – psicanalista

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