A superfície não é leve
O sentido das palavras empregadas, numa cultura volátil como
a atual, pode ser pouco reconhecido. Alguns termos são utilizados como
sinônimos a fim de criarem um mal
entendido proposital no seu uso.
Destacamos aqui a palavra ‘leve’, como qualidade de relacionamentos
pessoais, pronunciada com imprudência
quando apenas significa uma superficialidade
que pode denotar uma banalidade do mal[i].
Nas aulas de Física, cedo aprendemos o conceito de peso específico[ii].
Utilizaremos essa ideia como metáfora para nossa reflexão.
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Imagem: site Escola Kids |
O amor
alcançou a possibilidade de não estar submerso a convenções. Estranhamente, ou
inquietante[iii],
são as observações sobre os casais que insistem em manter laços através de uma
obediência às aparências, como se estivessem vivendo há 60 anos atrás. Como o
tempo andou, nos questionamos sobre esse fenômeno.
O amor traz ao humano maior responsabilidade, pois a liberdade dessa última a diferencia de um sentimento de culpa.
Uma pessoa obediente ainda não se apropriou de si. Toma atitudes ou sente
depositando a responsabilidade em alguém ou em alguma situação.
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Imagem: site Defensores da Natureza |
Lembramos[iv]
que a culpa está para um crime, assim como a responsabilidade está para o
domínio de cada um sobre as suas atitudes. Antes de julgarmos uma traição à fidelidade de
um casal, torna-se fundamental que cada pessoa observe a sua responsabilidade
em ser leal a si mesma. Não há como depositar nos filhos o peso de um
casamento. Filhos, quando nascidos do amor, receberam por herança a liberdade
de não ter que sustentar quem veio antes de si. Casamentos realizados para
encobrir a falta de auto estima de um dos parceiros possuem uma finalidade
inalcansável. Acordos apoiados em recursos financeiros são então repetições de
um passado distante e com tendência a cedo enrijecer por serem ultrapassados em
seus valores.
A banalidade do mal pode fazer com que muitas relações se
tornem superficiais, inclusive e principalmente aquela que cada um estabelece
consigo. Aprofundar o amor em si, dentro de cada um, não acontece pelos anos de casamento,
mas cada vez que se escolhe estar ligado a outrem pelo amor e não por um
sentimento de culpa ou por uma obediência. Esses dois últimos sentimentos podem
fazer que o mal em cada um possa se alastrar através de acusações. Essas só
ocorrem quando o pensamento complexo fica simplificado pela banalização de um
julgamento fora do âmbito dos tribunais. O mal prolifera na ausência de
reflexões.
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Foto: Reprodução |
Conversas onde a lealdade com o amor a valores profundos, sem a necessidade de
julgamento, podem ser leves quando são sustentadas pelas raízes que nutrem. Por
outro lado, algumas conversas leves podem pesar pelo frio da indiferença que
alimenta o mal banal. O peso específico
da leveza nas relações está de acordo com o volume do mal. Portanto, tratemos
de nos aprofundar nas reflexões sobre o amor para nos sentirmos livres, leves e
sem superficialidade de aparência. Entristecer-se e admitir limitações, sem julgamento e, portanto, sem a necessidade de disfarce pode aliviar um peso.
Simone Engbrecht - psicanalista
[i] Banalidade do mal é uma
expressão utilizada pela filósofa Hannah Arendt a fim de representar o mal que
não tem raízes, nem profundidade; o mal que ocupa o lugar indevido de uma
normalidade.
[ii] Peso específico – é
definido como peso por unidade de volume.
[iii]Unheimliche – conceito
utilizado por Sigmund Freud em 1919 quando escreveu sobre um desconhecido que
parece familiar.
[iv] Escrevemos um texto em
11/03/18para diferenciar culpa de responsabilidade. Alguém culpado por um crime
perde a possibilidade de liberdade. Uma pessoa responsável é livre porque é
ética.
[v] DR – discutir relação