Arrogância e Autoestima


         A expressão: ‘Fulana se acha’ pode indicar que essa pessoa possui uma boa autoestima ou que é arrogante. Alguém pode ‘se achar’ por se encontrar em sua identidade ou por ‘se achar’ melhor que os outros. A linha tênue que separa a arrogância da autoestima está na autonomia.
        
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Alguém se machuca com uma pluma quando não possui uma pele capaz de proteger o seu interior. Utilizamos a expressão ‘carne viva’ para indicar que a pele está ausente. Poderíamos dizer que a autoestima é esse revestimento de nosso eu. É necessário não confundir pele com uma armadura artificial e muito menos com uma capa de plástico que reveste uma boneca de plástico. Ocupar-se com a opinião dos outros, por exemplo,  não é o mesmo que prestar atenção aos outros. Quando se sabe bem o próprio raciocínio sem a necessidade de saber se ele está correto, se possui a auto confiança de que ele está coerente com os seus princípios. Escutar alguém, se questionar a partir disso, porque se deu importância ao conteúdo é muitíssimo diferente de machucar-se com uma posição alheia, ou precisar defender-se com uma posição surda fundamentalista.
         As mulheres, somente a partir dos anos 70 no Brasil, obtiveram, por exemplo, independência de crédito. Isso indica o quanto a confiança nelas em relação ao pagamento de qualquer dívida estava ausente na cultura dessa época. Ter conquistado independência foi fundamental para o desenvolvimento de mulheres enquanto sujeitos responsáveis por si mesmas. Porém, a autoestima de muitas mulheres ainda não modificou como gostariam.
A independência adquirida pelas mulheres pode ser comparada a uma abolição escravagista na lei. Porém, a autonomia só é alcançada com o reconhecimento na cultura de seu valor e isso é um trabalho no interior de cada um. 
         As mulheres, que acreditam ainda que o sentido de sua existência possa ser construído, responsabilizando aos homens por tudo o que  acontece ou não em sua vida, alicerçaram a sua autoestima em um terreno fora de sua propriedade. A propriedade feminina necessita estar dentro de cada uma, ou seja, no entusiasmo com a vida como ela é. Com ou sem reveses. Tanto alguém que coloca as feridas de sua existência como provocadas pelos acontecimentos, como aqueles que acreditam que construirão o seu entusiasmo, através de aquisições e atributos externos, não apoiaram o seu empreendimento de vida em terreno sólido.
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         Diga-me com quem andas que eu te direi quem és: Muitos levaram essa afirmativa como a maneira de construir a sua identidade. Porém, o consumo, os bens, e os acompanhantes de uma pessoa em uma jornada que visa representar uma vida de sucesso não sustentam uma autoestima construída em autonomia. Alguém acreditar que ser portador de  uma bolsa de grife ou ter publicado uma imagem ao lado de alguém famoso lhe sustentará em uma segurança de reconhecimento é  sinal de que está tentando alimentar o seu valor com um atributo externo.
 Hoje, percebemos no cotidiano muitas pessoas ansiosas por preencher seu tempo de lazer com ‘institucionalizações de alegria’. Denominamos assim o desejo de distração com grupos, com festas ou com eventos marcados por ocorrências na agenda. É como se o tempo de vida de alguns necessitasse estar programado pela arquitetura de acontecimentos. Agora é Natal e todos reúnem a família, agora é feriado de carnaval e todos viajam, agora é verão e todos vão para praia, agora  todos irão à festa X. Muito triste, pois a vida não está programada de dentro para fora e sim de fora para dentro. Se alguém adoece no Natal, necessitará passar dias hospitalizado, não estará preocupado se as bolas do pinheiro combinam com a toalha. Se alguém está em um momento de travessia, de mudança, não está ocupado se o comprimento da camiseta que é adequado. A vida tem sentido quando damos sentido a ela. Isso parece básico para autoestima, mas nem tudo o que é básico é simples.
A arrogância é uma tentativa de aquisição de uma capa protetora para uma ausência de autoestima. O esforço para obtenção de admiração através da  destrutividade do valor alheio será sempre um caminho fracassado. Pois, na medida em que o tempo passa, a autoestima se alimenta  da autonomia presente apenas em um encontro fundamental: o de cada um com aquilo que construiu com a vida de laços.
Simone Engbrecht - psicanalista


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