Nem sempre o que é bom faz bem


         Nem sempre é fácil dizer o que pretendemos expressar a quem amamos. Temos receio de que, ao desagradarmos alguém, deixaremos de ser amados. Esse medo só é suplantado quando acreditamos que o amor seja mais forte que as decepções, não porque é masoquista, mas porque a capacidade de amar de uma pessoa se enriquece com a vida como ela é, sem disfarces.
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 É comum escutarmos que pais devem propor limites na educação dos filhos. Porém, seja com filhos, com amigos ou mesmo com parceiros, tomar uma posição que não agradará o outro não é nada simples. Recusar-se a tomar uma atitude nega um limite quando esta não revela o contorno dos valores demarcados pela posição de alguém. Ser parceiro de um amigo, quando esse está doente, implica em estarmos ao lado, prestando atenção no que o agrada, pois, nesse momento, esse é o valor principal. Porém, ao percebemos que alguém que amamos está se machucando com uma relação que parece aliviá-lo das tensões, podemos ser parceiros, conversando sobre a diferença entre o que parece bom e o que é o fazer o bem para si. E, para tanto, precisamos nos apropriar dessa diferença.
         Uma mãe que segura um filho para tomar uma injeção receitada por um médico, confia que essa dor, mesmo que seja ruim, precisa ser ultrapassada, pois é para o bem daquele que está frágil. Essa não é uma situação de violência. Violência seria deixar um filho no desamparo, sem construir registros da diferença entre uma sensação de desprazer e o mal, afirmando que devemos nos anestesiar de qualquer dor.
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         Deixamos claro aqui que não estamos contruindo um elogio à dor ou afirmando que são os sacrifícios que cultivam o progresso. Os vícios não fazem bem, mas mesmo assim há um argumento de que seja algo que atrai por ser bom. Em psicanálise, muito se estuda sobre o tema do prazer e da dor[i]. As descobertas apontaram para a existência de uma tendência a repetir antes mesmo de firmar-se a distinção clara do que é bom e ruim; do que é bem e mal, então, nem se fala.
         ‘Para estar junto não é preciso estar perto, e sim do lado de dentro’[ii] Estar perto de quem amamos significa estarmos em coerência com o que cultivamos como valores essenciais e não de alguém, em primeiro lugar, é necessário estar com a alma posicionada dentro do seu corpo, ou seja, com atitudes que não sejam um vício ou um alívio para outra pessoa. Não responsabilizemos os outros pelo que é necessário estar dentro de nós. Não há como depositar na fragilidade alheia as desculpas para que os nossos medos vençam o bem que faz amar.  Atualmente faz-se necessário demonstrar a crença na capacidade de amar daqueles que estão ao nosso lado, mesmo estando distante. Isso deve estar dentro.
Simone Engbrecht - psicanalista      




[i] O problema econômico do masoquismo foi um livro escrito por Sigmund Freud em 1924.
[ii] Frase atribuída a Leonardo da Vinci.

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