Amar a si é desejar a liberdade do outro

                                                                       “Querer ser livre é também querer livres os outros.” Simone de Beauvoir   
Liberdade é uma dessas palavras tão complexas em sentido como a palavra amor. Às vezes, os ouvidos podem doer quando escutamos alguém falar que por amor preocupa-se com que o seu filho faça isso ou aquilo e não  se ocupe com um submetimento  a padrões ao qual ele pode estar exposto. A submissão desampara o sujeito de si mesmo. Ou ainda, faz doer o som da formulação: a liberdade está em ir e vir.
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As palavras deixam de ser apenas sons capazes de serem repetidos por uma fonética para se tornarem conceitos quando  passam a representar a complexidade dos desejos que convivem simultaneamente no interior do psiquismo. Alguém ama quando sustenta a ambivalência traçada com ódio provocado por uma impossibilidade de dominar outra pessoa. Ama quando apreende que somente o ser amado está presente quando ele não corresponde a frieza de uma imagem idealizada e fantasiada. E alguém se considera livre quando percebe os custos de qualquer escolha. Que, no momento, qualquer um pode, ao se movimentar, ser transmissor de um vírus que mata. A liberdade está presente quando se escolhe se movimentar apenas para o que é essencial. Considerar submeter alguém porque um luxo se torna essencial, é porque o essencial se tornou a arrogância. A morte de alguém pode ter sido provocada pelas atitudes de outro, que transmitiu o vírus apenas por se considerar “livre”. A complexidade pode ter permanecido invisível e a responsabilidade pela ausência de ética pode ter sido chamada de liberdade.
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A psicanálise realçou na cultura o valor de escutarmos o que dizemos e o sentido do que fazemos. Nessa Pandemia, é possível refletir sobre o quanto o desejo de possuir os outros e  a terra tornou os sujeitos distanciados das pessoas e do seu próprio planeta. Quem consegue estar consigo mesmo, nesse momento, não sente solidão,  porque abriu espaço para que os outros estejam presentes na sua vida sem um sentimento de propriedade. A angústia por dominar pessoas e coisas é marcada por um sistema de consumo que está ruindo. O consumo por pessoas é um dos vícios da melancolia. Hoje, o luto pela vida de 2019, o luto por pessoas queridas que não tiveram um ritual funerário como era o costume, o luto pelas mortes de tantas pessoas que sofreram com a falta de ar provocada pelo vírus: muitos lutos estão demandando um processo elaborativo. O risco é que a melancolia já presente, antes dessa avalanche, impeça muitas pessoas de se entristecerem porque estão deprimidas[i]. A apatia e o negacionismo que pretende que tudo volte a norma é uma reação da depressão prévia e não um resultado de luto.
O luto é realizado quando se percebe que a liberdade está em amar abrindo mão de ser proprietário do que não se tem, nem pessoas e nem a natureza. É pelo processo de luto que o amor a si vai se construindo por identificações e construção de novas possibilidades de  vida.
Simone Engbrecht- psicanalista


[i] Em outros textos nesse blog trabalhamos a diferença entre luto e melacolia presente no livro freudiano de 1917 e  ludicamente apresentada no filme DivertidaMente de 2015.

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