Inocentes e injustiçados

     "Somos o que fazemos, mas principalmente o que fazemos para mudarmos o que somos." Eduardo Galeano

             Inocência é uma posição compreendida pelo Direito e o sentimento de justiça também pode ser compreendido pela psicanálise. Sigmund Freud, há exatos cem anos, escreveu sobre o que une e o que move as massas. Laços emocionais sinalizam que um indivíduo, em psicologia, pode apenas ser um conceito teórico; na prática, somos seres construídos através do amparo de outros. O pai da psicanálise desmistificou a teoria de que haveria um sentimento social ou fraterno originário. O infantil em nós exige de maneira inconsciente que, se nós não somos os favoritos, ninguém mais o será, assim almejam justiça. É necessário humildade para aceitar a ideia de que a fonte da consciência social e do dever pode estar na inveja.  

Foto: Reprodução
     Imaginemos como uma ideologia alicerçada em meritocracia pode promover um caldo responsável por sensações de injustiça infiltradas em cada laço social, quando pessoas se esforçam para amar visando, merecer em retorno, o reconhecimento de sua existência. O amor se tornou moeda para aqueles que abafaram o narcisismo mediante a promessa de um investimento lucrativo, seja ele profissional, pessoal, sexual ou familiar. Assim, sobrevivem e respiram ressentidos.
   



            Por outro lado, ou no mesmo, a presunção de inocência no Direito se apresenta falhada em sua efetividade. Atualmente, pessoas precisam provar a sua inocência e não a sua culpa. Responsabilidade e liberdade tem sido conceitos esvaziados através de um modo de expressão do narcisismo cultivado no interior dos grupos:  o narcisismo das pequenas diferenças, aflorado por um ressentimento aflorado. Feridas narcísicas abafadas inflamam.

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 Talvez o ressentimento tenha sido reforçado pela decepção causada pelo sofrimento daqueles que se transformaram em  consumidores de vida. Penso, logo existo; sinto, logo existo; consumo,  logo existo. Em uma ocasião[i], refletimos sobre o amor não ser preciso, sem ter precisão como resultado de um instrumento de medida,  brincando com a frase de Fernando Pessoa e observando a complexidade presente no amor e em seu amadurecimento. Julgar os crimes e não a nossa existência não é tarefa simples e ainda impossibilitada quando ocorre o cultivo do individualismo do mérito. Criminosos são culpados pela destrutividade causada. Porém, é  direito de todos serem percebidos a priori como inocentes, e viver como seres que não comercializam a sua alma.

Simone Engbrecht - psicanalista                                               

[i] ENGBRECHT, Simone. O amor não é surdo: reflexões sobre o amor. São Leopoldo: Sinodal. 2008, 116p.

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