Adolescência e Transitoriedade
Na
adolescência, podemos observar uma deslocalização temporal[i].
No processo de mudança comum a essa fase, o tempo não parece ainda estar
organizado na consciência com um ritmo. Diante da ideia de futuro, tanto
algumas horas podem parecer um mês para um adolescente, quanto uma espera, no
interior um intervalo temporal, pode ser sentido como uma eternidade.
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Foto: Reprodução |
A cultura na contemporaneidade insiste em nos questionar sobre o efêmero e o eterno. De um lado, os relacionamentos podem acontecer sem um encontro de fato, quando não há nenhum investimento de curiosidade dirigido a quem pode estar perto. E distâncias intransponíveis podem ser o efeito da falta de contato. De outro, repetições destrutivas podem oferecer uma impressão que o tempo não passa. Deixar a infância como um tempo passado é inevitável, porém é necessário um esforço contínuo para organizarmos o que há de infantil em nós, e resistirmos à repetição.
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Foto: Reprodução |
Casamentos
aconteciam, no século passado, mediante um juramento de amor eterno que
encobria a não dissolução de propriedades privadas. No nosso século, podemos
cultivar a amizade, designada pelo poeta[iii]
como um amor que não morre, ao suportarmos o desenvolvimento e as mudanças em
um relacionamento através da separação de responsabilidades desde o início de
uma união. O tempo de duração de um relacionamento não é mais o indicador do
seu valor. Esse é um tema de grande importância nas conversas, “com versos”,
entre adultos e adolescentes. A consideração pelos adultos de que ser nomeado,
por adolescentes, como gringe pode
servir para repensar a tradição. Quando a tradição não necessita ter valor pela
repetição, mas pela experiência histórica produtora de conhecimento que pode
alicerçar processos de mudança.
O nosso
futuro está na dependência do nosso presente; de que nos apropriemos de sua
transitoriedade, nos situando nele em presença de nossa existência. Adultos
estão presentes diante de um adolescente quando estão abertos a refletir sobre
a diferença entre repetições destrutivas de tradição e a transitoriedade das
estações climáticas que ultrapassam longos invernos.
Simone
Engbrecht –
psicanalista
[i] Essa ideia está bem apresentada no livro ABERASTURY, Arminda ; KNOBEL, Mauricio. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.
[ii] Sobre a Transitoriedade chama-se o texto freudiano de 1915.
[iii] Amizade é um amor que nunca morre: formulação do poeta Mário Quintana.