Adolescência e Transitoriedade


Na adolescência, podemos observar uma deslocalização temporal[i]. No processo de mudança comum a essa fase, o tempo não parece ainda estar organizado na consciência com um ritmo. Diante da ideia de futuro, tanto algumas horas podem parecer um mês para um adolescente, quanto uma espera, no interior um intervalo temporal, pode ser sentido como uma eternidade.

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Para Sigmund Freud, o valor da transitoriedade está na escassez do tempo[ii]. O presente ao tornar-se passado exige de nós um trabalho de luto. Na adolescência realizamos esse processo pela primeira vez, pois passamos a ter a infância no passado. Tomamos contato, portanto, com a nossa finitude. A convivência com os limites abre espaço para apreciarmos cada momento como único.

A cultura na contemporaneidade insiste em nos questionar sobre o efêmero e o eterno. De um lado, os relacionamentos podem acontecer sem um encontro de fato, quando não há nenhum investimento de curiosidade dirigido a quem pode estar perto. E distâncias intransponíveis podem ser o efeito da falta de contato. De outro, repetições destrutivas podem oferecer uma impressão que o tempo não passa. Deixar a infância como um tempo passado é inevitável, porém é necessário um esforço contínuo para organizarmos o que há de infantil em nós, e resistirmos à repetição.

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Casamentos aconteciam, no século passado, mediante um juramento de amor eterno que encobria a não dissolução de propriedades privadas. No nosso século, podemos cultivar a amizade, designada pelo poeta[iii] como um amor que não morre, ao suportarmos o desenvolvimento e as mudanças em um relacionamento através da separação de responsabilidades desde o início de uma união. O tempo de duração de um relacionamento não é mais o indicador do seu valor. Esse é um tema de grande importância nas conversas, “com versos”, entre adultos e adolescentes. A consideração pelos adultos de que ser nomeado, por adolescentes, como gringe pode servir para repensar a tradição. Quando a tradição não necessita ter valor pela repetição, mas pela experiência histórica produtora de conhecimento que pode alicerçar processos de mudança.

O nosso futuro está na dependência do nosso presente; de que nos apropriemos de sua transitoriedade, nos situando nele em presença de nossa existência. Adultos estão presentes diante de um adolescente quando estão abertos a refletir sobre a diferença entre repetições destrutivas de tradição e a transitoriedade das estações climáticas que ultrapassam longos invernos.

Simone Engbrecht – psicanalista                                   



[i] Essa ideia está bem apresentada no livro ABERASTURY, Arminda ; KNOBEL, Mauricio. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.

 

[ii] Sobre a Transitoriedade chama-se o texto freudiano de 1915.

[iii] Amizade é um amor que nunca morre: formulação do poeta Mário Quintana.

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