Envelhecer é um Privilégio
Algumas
ideias sobre o privilégio de envelhecer podem inibir o prazer alcançado pelo tempo
transformador das velhas formas do viver[i].
Quando a maturidade é considerada um prêmio de consolação pela decadência do
corpo, envelhecer pode representar um tempo de ressentimento. Não há como
insistir em negociar com o tempo. Não suportamos limites ou perdas acreditando que
seremos recompensados por isso. A maturidade envolve furar a bolha de comércio e competição que nos infantiliza.
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| Foto: Reprodução |
No
início da vida, o amor encontra-se fundido na necessidade de sobrevivência. O
olhar e o reconhecimento do semelhante são fundamentais para o humano enquanto
ele depende dos outros para sua nutrição, higiene e aquecimento. Por isso, a
sensação de ser amado representa um dos primeiros alimentos para a autoestima. Ao
longo da vida, no entanto, a capacidade amorosa se desprende da passividade de
ser amado para que amar se torne um verbo que encontre a voz ativa. O amor maduro é
aquele que encontra tradução nos prazeres de ofício e pela realização de projetos
não egoístas e não iludidos pelo espelho.
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A
sociedade contemporânea dá valor à exterioridade e isso tem retardado o
amadurecimento por duas vias: pela crença de que a responsabilidade por
qualquer dificuldade seja sempre dos outros e pela busca de apagamento das
marcas que o tempo produziu. Esse valor dado ao externo faz com que as pessoas
tenham a sensação de que são vítimas de sua existência, por um lado, entregues
a passividade da impotência e, de outro, ativamente focadas em desfazer a sua
história, plastificando a sua aparência.
Associar
a juventude ao belo pode estar relacionado ao desejo de ser amado e aplaudido,
ou em tempos de redes sociais, de likes por imagens de suas atitudes. Talvez um
corpo saudável de um idoso não seja visto como belo não somente por dar um
alerta sobre a sua finitude, mas por trazer um ressentimento de outras
finitudes não elaboradas. Quem modifica a sua maneira de amar não sente saudade
da angústia adolescente pelo medo de ser excluído, nem sente saudade de estar inseguro diante do julgamento
das pessoas, ou saudade da sua arrogância frente aos riscos que não eram
percebidos. Sentir saudade do tempo em que se era jovem implica em sentir falta
de um tempo em que a imaturidade desprotegia a alma. A liberdade que o envelhecimento
dispõe está em alcançar posições consistentes sobre si mesmo, na confiança em
suas percepções da realidade e na possibilidade de ouvir os outros sem se perder
nas narrativas dos outros.
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O
desenvolvimento da tecnologia abriu espaço para que o envelhecimento possa não ser
sinônimo de adoecimento físico, porém se os alimentos da autoetima ainda forem
os infantis, o avanço da tecnologia irá retardar não apenas o envelhecimento do
corpo, mas o amadurecimento, e a saúde mental é que ficará comprometida.
Quem
já viu frutas sendo congeladas, já percebeu que a sua aparência, consistência e
sabor se modificam rapidamente ao retornarem a temperatura ambiente. Assim nos
tornamos se desejarmos congelar o tempo. Fazer as pazes com ele consiste em deixarmos a
tristeza cicatrizar perdas e impulsionar o luto do que passou, a fim de nos protegermos da melancolia do ressentimento.
Envelhecer
é um privilégio, amadurecer é saber deixar o tempo transformar as velhas formas
do viver.
Simone
Engbrecht-
psicanalista
