Alimentação e Nutrição


        Alimentação não é a mesma coisa que nutrição. Desenvolveremos aqui uma breve reflexão sobre a relação contemporânea das pessoas com o ato de comer e a busca por uma identidade através de uma dieta. Os nutricionistas estudam com profundidade as várias questões envolvidas na diferença entre os alimentos ingeridos e o que cada pessoa necessita para que o seu organismo funcione normalmente, porém alguns leigos na área se consideram suficientemente informados e capazes para abdicarem de qualquer orientação e apenas pertencerem a grupos de consumo de determinados alimentos ou a seguirem dietas  que anunciam uma segurança de saúde ou de boa forma.   Por isso, diferenciar alimentação e nutrição estabelece primeiramente a distância entre o que a cultura indica que seja consumido e o que cada indivíduo necessita para estar nutrido.

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Ao considerarmos a definição de saúde estabelecida pela OMS, Organização Mundial da Saúde, onde ela é ‘um estado de completo bem estar físico, mental e social e não somente a ausência de afecções ou enfermidades’, percebemos que a saúde não necessita ser algo utópico, ou seja, alguém ser considerado saudável apenas se não possuir nenhuma dificuldade. Alguém pode se sentir bem se conseguir conviver em harmonia com suas deficiências. Cuidar da nutrição do seu corpo é mais complexo do que consumir alimentos rotulados como saudáveis ou praticar comportamentos considerados saudáveis, pois a sensação de bem estar implica em um equilíbrio concebido a partir de muitos fatores que agem de maneira simultânea. Na nutrição, alguém que se alimenta com pouco açúcar, por exemplo, pode, mesmo assim, ser diabético, pois o diabetes pode ser resultado de outras questões, entre elas, a genética. Por outro lado, não basta considerar uma pessoa diabética como doente e considerar que para todos os indivíduos, os alimentos pobres em açúcar sejam os saudáveis. A saúde de uma pessoa depende de seu bem-estar como um todo e os alimentos que trazem esse benefício para uns não são benéficos para outros.

Também é comum a associação entre os transtornos alimentares a formas de alívio da ansiedade. Porém, o desequilíbrio entre a quantidade que o corpo demanda e o quanto recebe de comida é apenas um sinal de que algo está desconhecido na relação de um indivíduo consigo e o mundo. Algumas pessoas não conseguem escutar a sua fome ou a sua saciedade e, muitas delas, até mesmo encontram-se surdas diante de sua angústia, apenas apresentando comportamentos compulsivos.  A angústia pode sinalizar que algo não está bem no interior da pessoa, principalmente quando essa encontra alívio num ato que lhe faz mal. Para pesquisar esse alarme é necessário entender que um alívio de angústia não corresponde a um prazer, pois atitudes repetitivas não possuem sabor.

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O avanço tecnológico trouxe outras questões alimentares além das preocupações em relação à medida dos alimentos, à régua de quantidade de calorias, carboidratos, gorduras, álcool ou a qualquer outro parâmetro. Percebemos hoje uma sede das pessoas por uma identificação através de grupos nomeados por dietas correspondentes aos alimentos que consomem.  Vivemos em paradoxo: pessoas que morrem de fome em alguns lugares e outras, acreditando-se em um mundo globalizado onde podem escolher não apenas quanto comem, mas o que consomem, nomeiam-se a partir dos alimentos: vegetarianos, carnívoros, veganos, orgânicos, etc. 

É possível examinar com maior precisão intolerâncias alimentares nas pessoas e componentes químicos indesejáveis nos alimentos, porém isso não deveria apenas somar informações e criar identidades. O processamento dessas descobertas auxilia ao bem estar quando cada um pode ter maior consciência de sua relação com seu corpo e com o meio ambiente e quando puder ser visto como único. Podemos metaforicamente dizer que a informação é como o alimento, a fim de nos nutrirmos é necessário que seja processado de maneira especial. Para termos conhecimento, é necessário que alguém nos auxilie a nos nutrirmos adequadamente  de informações que são relevantes para nossa dieta específica. Dietas milagrosas podem servir para uns e não para outros. A fim de que alguém encontre um ponto de equilíbrio em sua alimentação, quando não se sente bem com ela, é necessário a busca pelo conhecimento, ou seja, um nutricionista. Na nutrição, a pessoa é visível e única.

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Não é raro observarmos que a busca por dietas restritivas ou que possam dar identidade e sobrenome a um grupo pode agregar pessoas que desejam fazer parte dessas ‘famílias’ através do seu tipo alimentar, seja por estarem se sentindo soltas ou descoladas em termos de origem, ou por que de fato o seu equilíbrio foi encontrado nessa forma de alimentação. A cultura é algo que nos identifica com nossas raízes e percebemos que no trator globalizante, muitos perderam a sua visibilidade e procuram por alguma coisa que lhe forneça um recheio. Porém, os alimentos fornecem algo que nutre ao corpo, e abastecem a alma quando são apreciados com o vagar do prazer.

A ansiedade pode causar pressa na procura por seu alívio, e pode, quando ouvida, fornecer um aviso de que algo não foi percebido e necessita de cuidado.  Concluímos citando Quintana:  “esses que pensam que existem sinônimos, desconfio que não sabem distinguir as diferentes nuanças de uma cor”. Alimentação é diferente de nutrição, comer é diferente de saborear e alívio é diferente de prazer. Assim como as palavras, as cores e os sabores, as pessoas necessitam e desejam respeitar-se em suas sutilezas, pois são essas que as retiram da escuridão da invisibilidade. 

Simone Engbrecht- psicanalista

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