Para que serve a Psicanálise?
Para que serve a
Psicanálise? Servir pode estar ligado à servidão,
à submissão, ou à utilidade. A proposta dessa questão é refletir sobre a
conseqüência de que um raciocínio comum sobre o proveito de qualquer coisa pode
tornar alguém escravo. Um carro pode ser útil para facilitar a locomoção das
pessoas, mas pode deixá-las dependentes do petróleo ou de alguma indústria que
as impulsiona a comprá-lo.
Consultório de Freud no Freud Museum em Londres |
Escolhas possíveis, esse é um tema talvez tão
complexo quanto o da liberdade, pois abre espaço para refletirmos sobre o
impossível. Albert Einstein afirmou que algo só é impossível até que alguém
prove o contrário. Um gênio, pois abriu espaço para o desconhecido. Nossa ideia
aqui não é entrarmos em servidão a formulação de Einstein, mas compreendermos
se o que formulamos como impossibilidades faz parte de nossa intimidade ou da realidade.
A liberdade não
consiste em realizarmos nossos desejos, mas em tomarmos atitudes que sejam
coerentes com aqueles desejos íntimos pelos quais escolhemos lutar. A realidade
existe e está dada além de nossas forças, cabe a nós escolhermos se queremos ou
não contribuir com ações que buscam modificá-la, tendo clara a sintonia com a humildade para aceitar que mudanças
pretendidas podem não acontecer apesar dos nossos esforços. É grande a diferença entre as nossos atos e o
que eles visam. Somente as nossas atitudes podemos controlar, a conseqüência
delas, porém, depende de muitos outros fatores. Portanto, a liberdade está na escolha de atitudes
coerentes com a pessoa que pretendemos ser.
A Psicanálise está a serviço da apropriação de
nossas ações e palavras alicerçadas na coerência com a nossa existência. Somos
um mar de ambivalências e de desejos contraditórios, cabe a nós escolhermos com
qual deles queremos agir e nos apresentar. Porém, o efeito ou a interpretação
que uma atitude provoca nos outros não
está sob nossa jurisdição. Queremos que alguém entenda o que pensamos, por
exemplo, mas esperamos, ao mesmo tempo, não falar nada sobre a nossa
intimidade. Dois desejos impossíveis de serem realizados simultaneamente, a não
ser que a realidade contemplasse a existência de pessoa que conseguisse ler pensamentos alheios,
com possibilidades além de um humano comum. Ou seja, diante de muitos desejos é
inevitável que cada pessoa crie em sua fantasia uma resolução mágica e ilusória
que contemple a satisfação de desejos contraditórios, sem precisar realizar uma
escolha. Sem valer-se dessas ilusões, os desejos só poderão ser sustentados nas
escolhas de atitudes das pessoas capazes de promover seu desejo, apoiadas em suas
palavras e expressões, ou seja, na liberdade de suas ações. Ainda
assim, pode ser que o seu interlocutor realize uma interpretação diferente daquela
pretendida e essa é a parte que corresponde ao que ultrapassa a potência
individual em um determinado momento. Lidar com as frustrações diante da
realidade corresponde a uma nova liberdade de escolha: desistir diante de um
fracasso ou insistir através de uma nova tentativa que contemple a mesma meta
pretendida.
Por isso a
Psicanálise está relacionada à liberdade, a liberdade de cada um diante de seus
desejos confrontados pela realidade. Apropriar-se de suas contradições e
escolher por qual caminho seguir em relação às suas atitudes é muito diferente
de encarregar à realidade de tudo. É frustrante o confronto com a percepção da
realidade, pois a liberdade não está dada pelo exterior, mas pelo interior de
cada sujeito, ou seja, na luta diante do medo da realidade e na escolha de
atitudes a partir disso. Há muitas pessoas presas a fantasias de que estão
determinadas por causas externas, essa é uma escravidão pela qual a psicanálise
luta contra. Portanto, a psicanálise luta contra a servidão, pois ela luta pela
apropriação do bem mais precioso, sabermos quem somos e por qual sentido de
existência nós respiramos e nos inspiramos. Alguém pode estar ameaçado
concretamente nos seus direitos mais básicos, porém a sua liberdade consiste em
não negociar a sua alma em função de nada.
Proprietários da
realidade nunca os humanos serão, mas poderão tornar-se senhores de si mesmo,
se puderem conhecer mais a respeito de sua alma. Esse é o registro de
propriedade que a psicanálise busca e para isso está a serviço. E, quanto mais
o sujeito estiver a serviço de si mesmo, menos estará servindo ao um desconhecido
que apenas busca a servidão de pessoas através de um alívio sem escolha.
Simone Engbrecht - psicanalista
Simone Engbrecht - psicanalista