A Cada Minuto Tudo Pode Mudar
A virada de ano não é o único momento em
que mudanças são realizadas, porém é um tempo privilegiado para elas, pois o
mundo reflete sobre a vida e a paz. Esse texto abre um questionamento sobre o que
significa deixar algo para trás e quando isso abre um espaço para o novo.
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A maneira como se fala sobre morte e como
ela é encarada em diferentes culturas é diversa. O assunto vira um tabu quando
a finitude vira um campo restrito em função de uma tentativa de desvio dos
humanos sobre a sua consciência de fragilidade. Paradoxalmente, quanto mais
alguém tenta se defender do fato de encarar a sua pequenez, mais não consegue
se proteger. Diz o ditado que o ataque é a pior defesa, porém acreditamos que
ainda uma defesa pior, ainda menos consistente, seja a indiferença ou a negação
de alguma coisa que seja difícil de aceitar. A força de uma pessoa está na forma como enfrenta a finitude, a fragilidade, essa é a sua maior proteção.
Finitude da vida, de um amor, de um ano,
de um trabalho é o fim de um momento de investimento de energias. Exceto para
aquelas pessoas que não investem em nada e tudo é descartável. O fim é sempre
marcado por mudanças de perspectiva. Mudar nunca é simples, pois possuímos uma
tendência inata, chamada em psicanálise de pulsão de morte, a repetir. A
repetição está associada à morte. A vida é feita de pequenas e grandes
finalizações, ou seja, de muitas mortes e mudanças, de renovações celulares.
Quanto mais percebermos as fragilidades e
as dores das mudanças, podemos de fato termos consciência delas e mais estaremos
prontos para a vida que segue.
A receita de deixar o passado para
trás parece simples, mas não é. Em primeiro lugar, porque não é uma receita; é, sim, uma experiência. A psicanálise surgiu como ciência e persiste
enquanto ofício com esse propósito:
deixar de ser prisioneiro da repetição. Não é raro ouvir alguém dizer, ‘no meu tempo’,
para referir-se a juventude. Mas, todos os vivos estão no mesmo tempo, em 2017.
Infelizmente alguns sentem que o seu tempo já passou, antecipando a sua finitude para se defenderem de qualquer
angústia, porém é assim que não conseguem proteger o seu momento atual, que só
fica especial quando ele pode receber atenção da própria pessoa que o está vivendo,
ou seja, sem que o presente precise ser medido ou comparado com o passado, e,
principalmente, quando não é destruído por ele.
Pessoas ressentidas com o seu passado são
aquelas que não elaboraram a dor de deixar algo para trás em função de uma
vaidade, os sentimentos de fracasso repetem naturalmente e aceitar prejuízos é dolorido. A vaidade é
inimiga de nossa força, pois ela é um curativo inadequado para a percepção da
frustração diante de uma impotência, a impotência de voltar no tempo.
Vejamos o que seria a vaidade a qual
estamos nos referindo. Agradar aos outros não é amar aos outros, isso é muito
confundido na contemporaneidade em função do incentivo a imagem e da busca de
sucesso pelo reconhecimento social. Quando isso acontece, a frustração, decorrente
de uma falta de amor próprio, emerge de uma maneira agressiva, algumas vezes,
inclusive através de uma desistência de encarar os desafios que a vida oferece.
A depressão é uma maneira de mostrar esse pedido de socorro decorrente de uma
baixa autoestima escondida atrás de uma vaidade que não conseguiu ser superada.
Deixar alguém nos amar implica em respeitarmos nossos limites, a nossa própria
finitude que não está à frente, mas está atrás de nós, em amarmos a nossa vida
como ela é, cheia de fracassos, cicatrizes e rugas que marcaram o trajeto de
cada um. A modificação dos desejos faz parte de uma vida viva.
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A cada minuto, somos seres diferentes
do momento anterior e o respeito a si mesmo implica em deixarmos para trás quem
nós mesmos éramos, superando a vaidade e amando inclusive as nossas
fragilidades, pois elas também nos constituem. Como psicanalista, sempre falo de luto e amor,
por serem eles os temas diante da morte e da vida para meu ofício. Porém,
preciso tornar os textos sem repetição e criativos, senão ficam mortos. Para
tanto, conto com o momento de cada leitor, onde uma frase mesmo que relida,
faça um novo sentido.
Citamos uma frase de um escritor
húngaro chamado József Eötvös que nos inspira: “Se soubermos que um obstáculo é intransponível, deixa de ser um obstáculo
para se tornar um ponto de partida.” Quando o passado transforma-se em um
obstáculo, uma perspectiva de mudança e de novo ano pode auxiliar a finitude do
passado deixar ir e ficar para trás,
a fim de se tornar um novo ponto, agora, de partida e não de referência.
Simone Engbrecht- psicanalista