Aprender com as Tartarugas
“As tartarugas conhecem as
estradas melhor que os coelhos” Khalil
Gibran
Temos a impressão que, após a virada do milênio,
todos correm em busca de uma evolução. Contraditoriamente, quanto mais se corre,
mais se possui a sensação de que o tempo voa. A pressa em apenas desejar e chegar
mais a frente não permite, muitas vezes, que os detalhes da vida possam ser
contemplados e, então, contados pelo tempo. Lembramos desse paradoxo, antes do
ano terminar a fim de observarmos, com o
vagar de uma tartaruga, esse momento interessante, sem realizarmos com
ingenuidade uma interpretação de que basta o calendário mudar numericamente para nos tornarmos seres mais desenvolvidos ou
para decisões mágicas serem tomadas.
Foto: Reprodução |
Há uma tendência precipitada pelas resistências à mudança
a julgar e a comparar tudo, para que tudo possa ser logo compreendido e
justificado a partir de um lugar cômodo e sem movimento. Em pesquisa científica, descobrimos perguntas
mais complexas quando a investigação se
dá a respeito do estranho, do incomum e, sendo assim, busca uma novidade, sem apenas buscar provas para uma
hipótese tornar-se tese. Afirmar que as
espécies evoluem para sobreviver implica em concordarmos que o que está vivo
hoje é mais evoluído que espécies do passado ou que espécies em extinção, como
as tartarugas, não estão evoluindo como deveriam a fim de garantir a sua
sobrevivência. Questionamos aqui sobre o fato de que o final de uma trajetória
seja mais evoluído que o seu início ou o seu meio. Questionamos o que significa
evoluir.
Foto; Reoridução |
Foto: Reprodução |
Considerar o homem um animal, mas manter uma ideia de que
seja um animal evoluído comparado a outros significa manter uma ideia fechada,
sustentada pelo julgamento e pela linearidade de comparações. A possibilidade
amorosa dos humanos não precisa ser evoluída, útil para sobrevivência, ou
necessária para chegar a um lugar mais reconhecido. Tartarugas possuem casco,
nós humanos a criatividade. Não dá para comparar. Essa frase já é estranha,
pois, muitas vezes, dizemos que não dá para comparar, exatamente porque
comparamos e vimos uma imensa diferença evolutiva, ou do que é melhor ou pior.
Deixar de lado a balança, a métrica, é bem difícil hoje, porque a pressa
comanda que sejamos vencedores não se sabe nem do quê. Com paciência, é
fundamental estarmos mais atentos ao presente, pois a noite de virada chega a
cada final do dia.
A criatividade e o amor aparecem quando se
está sem direção, mas com um sentido em viver. A vida é inspiradora, ou seja,
enche o nosso peito de ar, quando estamos atentos aos detalhes da estrada. Ela, porém, deixa jovens sem fôlego, mergulhados no vazio,
quando escolhem o que irão estudar com um critério apenas voltado para o
reconhecimento e ao mercado financeiro associado ao seu ofício, sem ar quando
as pessoas preocupam-se em compartilhar imagens em rede, mais do que conversar,
sem ar quando a fragilidade do corpo é percebida como a morte, quando o
amadurecimento é visto como envelhecimento. A nossa fragilidade, as nossas
frustrações, as nossas conversas são a trilha de nossa existência, estamos
vivos quando o que existe nos toca e produz marcas que nos salvam de nos
sentirmos vazios dentro de um casco.
Simone
Engbrecht - psicanalista
[i]
Ferida narcísica – refere-se a um conceito psicanalítico que desenvolve a
concepção, baseada no mito de Narciso, de que a constituição do sujeito envolve
inicialmente a ideia de que tudo possa ser o reflexo de si mesmo.
[ii]
[ii]
Inconsconsciente- conceito psicanalítico sobre a ideia que o psiquismo não é
redutível ao que se pode facilmente tomar consciência.