A vaidade, apontada como um defeito de
alguns personagens em contos infantis, parece ter sido não apenas libertada de
uma condenação, mas recebido um status de qualidade de boa autoestima, com a
justificativa de que os tempos mudaram e satisfazer-se através do
reconhecimento é o que todos almejam. Utilizaremos, nesse texto, a metáfora da
Madrasta da Branca de Neve a fim de abrirmos um questionamento sobre a inveja e
a ferida na vaidade provocada pelo envelhecimento, quando esse não vem
acompanhado de amadurecimento. Envelhecer é só uma questão de tempo de vida; amadurecer,
porém, depende de uma regulação da vaidade realizada pelo
amor próprio. Alguém vaidoso não possui uma boa relação consigo, de maneira diversa,
esse alguém apenas procura estabelecer a única relação que consegue: com o
olhar dos outros. Pessoas com boa autoestima não são vaidosas, elas atraem os
olhares pela sabedoria de sua modéstia.
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Foto: Reprodução |
A sociedade, a fim de estimular o
consumo, fomenta que a relação de cada pessoa com a sua vaidade permaneça presa
a padrões infantis. A virtualidade transformou-se em palco para isso, pois as
pessoas postam o que comem, as suas emoções, que seriam íntimas em outras
circunstâncias, enfim, registram a sua vida em imagem para que ela possua algum
sentido a partir de visualizações, como uma criança que aprendeu a andar sem rodinhas e pede
aplauso: olha o que estou conseguindo!
Natural para uma conquista infantil, pois o encontro com o amor no espelho do
olhar de um adulto é um alicerce para a sua autoestima. À medida que cada um
amadurece, o amor vai buscando outros alimentos, entre eles, a construção do
que faz bem aos outros. A humildade é um dos pilares fundamentais para essa
obra. O caminho de desenvolvimento da necessidade de ser amado para o prazer de
dar amor é complexo e não consegue ser trilhado por todos. Quem está no
cativeiro da necessidade de consumo, depende de conquistas a fim de ser
reconhecido. Pessoas dependentes de reconhecimento, amam de maneira infantil,
pois ainda estão mergulhadas em necessidades vaidosas e mais fáceis de serem
controladas e massificadas.
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Refletimos aqui sobre o conselho dado a
todos aqueles que estão sofrendo por não se sentirem amados: goste de você, se
cuide. Essa dica, compreendida, em não raras ocasiões, de maneira rasa, pode
confundir muito. Por esse motivo, discorremos aqui sobre a temática da vaidade.
Não basta alguém tornar-se egoísta para construir o seu amor próprio. Há uma
grande diferença entre as pessoas que cuidam do corpo, da vestimenta, dos
cabelos, a fim de serem observadas e
admiradas e aquelas que possuem uma visão estética de si mesmas e criam o seu
estilo, não para chocar ou se exibir, mas porque possuem uma identidade. Cuidam
da morada de sua alma, o seu corpo, como cuidam de um jardim. Há também uma
grande diferença entre aqueles que trabalham visando sucesso e conquistas
materiais e aqueles que visam realizar algo construtivo a partir da sua
criatividade. O reconhecimento de alguém através de seu ofício é conseqüência, mas não é meta. Meta é o que
desejamos quando criamos e trabalhamos. Se alguém possuir conquistas ou
reconhecimentos como meta, terá pulado o mais importante passo: saber por que está realizando alguma coisa. O
recheio da autoestima dos adultos está no sentido de sua vida, de cada ação.
Marcamos essas diferenças, marcadas acima
como exemplo, porque consideramos que com a crise na qual se encontra o mundo,
a conquista de algo individual que não esteja a serviço de um mundo mais
civilizado, ou seja, menos violento e mais fraterno, satisfaz vaidades,
produzindo inveja, mas não amor. A conquista de bens individuais pode ser
conseqüência de metas ocas ou que contribuam para a destrutividade, nesses
casos, o envelhecimento dessas pessoas será dificílimo, pois a sua vida está
alicerçada em conseqüências, na direção e não no seu sentido.
Pessoas que movimentam a sua vida para
conquistas atraem parceiros que desejam um status a partir dessa moldura. Até
mesmo os parceiros podem fazer parte da lista de conquistas. A maternidade e a paternidade também, muitas
vezes, circula em torno de uma conquista: ter um filho, como se esse também
fosse um bem de consumo. Ser mãe e ser pai não se reduz a isso, ao contrário,
está muito longe de TER filhos, mas SER materno ou paterno significa amar
seres em desenvolvimento e que necessitam de um amor que não seja vaidoso. Para
que alguém deixe de apenas conquistar vitórias ou propriedades como se fosse um
guerreiro ou desbravador, é necessário que possua uma reflexão constante sobre a
sua existência.
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A Madrasta na história da Branca de Neve
nada mais é do que alguém do nosso tempo que não consegue envelhecer, por ter
inveja da juventude e por estar apegado a uma beleza sinônimo de sedução pela
aparência de conquistas. Ela necessitava da resposta do Espelho, essa era a sua
maior infelicidade: ser prisioneira de uma imagem comparada. O envelhecimento,
quando cultivado pelo amadurecimento, torna alguém belo ao olhar daqueles que
amam a sabedoria do amor. É ela que
torna a vida bela no momento em que se doa de presente o seu bem mais
precioso, o seu tempo. Quando se doa tempo a alguém por amor, o tempo da vida
possui sentido e não escoa de maneira volátil. As pessoas que envelhecem com
maturidade são como flores ao desabrochar,
não precisam de algo consolador para se sentirem enriquecidas ou belas,
como ter perdido a juventude e ganhado em troca a maturidade. A beleza da
maturidade só é alcançada por vidas marcadas por entrega ao prazer da humildade
de um aprendiz sem espelho, pois o conselheiro de alguém que envelhece com maturidade
é o humor. Esse reside dentro de todas as almas que brincam, independente de
sua idade, e, por isso, conseguem perceber o seu valor.
Simone Engbrecht
- psicanalista