Homenagem a Zygmunt Bauman



                “Há dois fatores indispensáveis a uma vida satisfatória e relativamente feliz. Um é segurança e o outro é liberdade. Você não consegue ter uma vida digna na ausência de um deles. Segurança sem liberdade é escravidão; liberdade sem segurança é caos.” Zygmunt Bauman

               Segurança e liberdade: talvez esses dois fatores sejam aparentemente os mais contraditórios, porém os mais complementares alicerces na vida. Como psicanalista, considerarei o que Sigmund Freud apontou como as três fontes para o nosso sofrimento: o poder da natureza, a fragilidade do corpo e as nossas relações. A segurança e a liberdade quando ameaçadas ou rompidas quando a natureza, o corpo ou os nossos vínculos foram agredidos em sua delicadeza.
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A liberdade envolve uma escolha. Alguns desejos podem estar fora de uma possibilidade de realização. Os limites demarcam o território de nossas posses, onde são as nossas ações que podem efetivar o que almejamos.  Fora dele, podemos nos tornar escravos de desejos cuja satisfação depende da realidade e não de nós.   Escolher com propriedade de si significa ser dono e senhor de uma liberdade e proprietário de uma segurança diante de si mesmo, ou seja, aceitar que não precisamos dominar o que não nos compete a fim de nos sentimos livres. Sentir, querer, pensar podem ser os bens de cada um, quando, além de conhecermos bem os limites de nossas terras, aramos, semeamos e produzimos sobre elas. Ou seja, para cultivá-las, é necessário paciência e criatividade com o que se tem. Assim consiste a aquisição da liberdade e da segurança. É preciso refletir e elaborar com cuidado os nossos projetos, sem nunca imaginar que se desenvolvem sem a nossa presença.
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Consideramos que a terra mais fértil para o desenvolvimento de nossa segurança, liberdade, portanto, é a felicidade cultivada na terra árida das relações.  Isso porque o amor demanda paciência e coragem na relação com o outro; paciência para tolerar os limites e coragem para escolher. Paciência para tolerar as diferenças e coragem para possuir firmeza em apresentar-se. Escrevi uma vez que para amar é preciso confiança e utilizei a metáfora da fiança em aluguel para brincar com a ideia da entrega necessária nas relações. Um pai entrega seu amor em fiança e assim é o amor. Não há como ser fiador de alguém procurando pelo passado do sujeito para avaliar o crédito. Assim faz um banco, que não confia. Quem confia entrega em fiança o que possui de melhor e sem avaliar o retorno. Amar em com + fiança reúne liberdade e segurança.
Nos pares, nas amizades, e, portanto, nas relações que persistem através das decepções cicatrizadas pelo amor, cada pessoa pode ir descobrindo que a maturidade abre mais espaço para liberdade. A natureza e o corpo são mais limitadores à medida que envelhecemos, porém a capacidade de escolha sem escravidão nem caos pode tornar-se cada vez maior. Parece estranha essa
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ideia, mais livres com um corpo e uma vida com mais limites.  Duvidamos até que seja uma frase ilusória, ou como aqueles termos de consolo, tipo ‘a melhor idade’. Porém, se observarmos que são os detalhes que mostram a diferença entre os caminhos, e por adquirirmos maior capacidade em diferenciar detalhes e critérios que interessam para nossas escolhas possíveis, perceberemos melhor que, com o tempo, os momentos da vida vão se tornando mais preciosos e não o desperdiçamos mais com superficialidades, ou seja, escolhemos muito mais.  Uma criança, ao falar sobre o que quer ser quando crescer, vislumbra um catálogo que vai de bombeiro a médico; um adulto, já conhecendo o que não é possível, já está seguro disso, observa um cardápio muito mais cheio de detalhes, pois há espaço para eles.
 Bauman agiu até morrer apontando o efêmero das relações. A profundidade do seu projeto seguirá viva. Possuímos mais escolhas à medida que amadurecemos, porque elas realizam mudanças com profundidade. O efêmero não é característica da juventude, mas da falta de maturidade. Na maturidade, nos aproximamos das pessoas sem a necessidade de estar perto, e sem a necessidade de semelhança. Pois as relações com profundidade estabelecem uma possibilidade diferenciada de segurança e liberdade, porque se alimentam de confiança. Com a fiança do amor, a segurança está na liberdade.

Simone Engbrecht- psicanalista

                

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