O que significa mesmo o prefixo auto na autoestima


          
Autoestima: modificamos a maneira de escrever essa palavra, pois seu prefixo não está mais separado por hífen. Queremos aqui, no entanto, valorizar esse prefixo auto, estando ele mais ou menos destacado de estima, a fim de realizar uma reflexão sobre  o quanto a cultura tratou de encobrir o significado dele e isso não tem nenhuma relação com o Novo Acordo  Ortográfico, mas com uma tentativa de diminuir uma autonomia reflexiva.  Por um lado, acredita-se que o reconhecimento dos outros sobre alguém fortalece a autoestima, assim como, a ideia de que ela pode melhorar, quando a pessoa cuida do seu corpo ou de sua aparência, nunca foi tão utilizada como estratégia de incentivo ao consumo.
            Oxigenar o que realmente alimenta a autoestima compreende desfazer as más interpretações realizadas sobre o sentido de auto. Auto é aquilo que funciona por si mesmo. Em um automóvel, o motor necessita de combustível, de condutor, porém, ele é auto por possuir uma engenharia capaz de realizar um movimento por si mesmo. A autoestima, da mesma forma, pode receber reconhecimento dos outros, mas necessita de uma engrenagem própria para a estima fluir por si.
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            Dizer que alguém precisa gostar de si quando está com dificuldades em amar, seria como encher o tanque de um carro cuja mecânica precisa de conserto e acreditar que ele irá se movimentar. A complexidade da estima, do amor, é que faz com que esse prefixo auto fique confundido com a voz reflexiva do verbo[i]. Não basta estarmos em uma relação especular conosco para afirmarmos que estamos construindo nossa autoestima. A  autoestima consiste em desconstruirmos a visão de amor como troca. Não basta receber amor, para possuí-lo e, então,  devolver. Ou imaginar que, se o amor for doado, ele retornará.
            O desenvolvimento da capacidade amorosa de alguém, que consiste na sua autoestima, na alma que tem paixão pelo movimento da vida, depende da transformação de ambivalências amorosas em possibilidade de entrega. Dia desses, ao escutar entrevista com Maria Rita Kehl[ii], ela pontuou algo fundamental: a condição de nascimento não define quem alguém será, apenas limita. A liberdade não é algo ilimitado, mas não é definida pelo pelos outros. Isso é maravilhoso quando percebido, essa sutil diferença,  pois permite que o amor possa sempre encontrar terra fértil por não estar determinado pelo destino.
         
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Os limites e as frustrações estão presentes tanto para aqueles que os enfrentam, como para aqueles que os negam. Para as  pessoas que conseguem desenvolver a autoestima, eles são a peça chave no seu motor. As perdas, as angústias que as antecipam, os temores ao nos percebermos seres incompletos, nos preparam para que o nosso amor pela vida possa ultrapassar as definições oferecidas pela realidade e coloque em movimento a nossa capacidade de entrega, sem uma necessidade de medida comercial marcada pelo quanto recebemos das pessoas, como se fôssemos apenas um reflexo do mundo.  Nosso patrimônio amoroso não precisa estar definido pela maneira de amar dos outros.  Esses podem alimentar a  autoestima, mas não  conseguem nutri-la,  se não houver o desempenho leve na dinâmica amorosa da pessoa amada.  A autoestima só vive quando nós conseguimos nos doar apenas pelo prazer de estarmos de verdade vivendo. A entrega aos outros é o propulsor do movimento da vida pelo prazer que o verbo amar  proporciona quando está em atividade. O prefixo auto na autoestima indica que  o amor funciona por si mesmo.

Simone Engbrecht - psicanalista




[i] Voz reflexiva do verbo- indica que o sujeito do verbo é tanto agente quanto paciente. Exemplo: quando alguém se cuida, é tanto aquele que pratica a ação do cuidado quando quem a recebe.
[ii] Maria Rita Kehl- psicanalista paulista que recebeu o prêmio Jabuti de Literatura em 2010 e que desenvolve, em seus escritos,  temas como depressão e o feminino na atualidade.

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