A autonomia é ética
As escolhas complicadas são aquelas onde o posicionamento
diante da vida e a visão de mundo ficam revelados através de atos singulares. Responder
de maneira correta quanto é dois mais dois não diz nada sobre a personalidade
de alguém, ou sobre a sua identidade. De outra forma, as decisões sobre um
casamento, uma separação, um empreendimento profissional encontram muitas
encruzilhadas sem caminhos definidos por
certezas, pois não tratam de crimes, mas
de opções individuais.
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Em um
milênio onde a palavra globalização é utilizada, estranhamente e felizmente, o
normal não é mais o comum. Como efeito colateral dessa liberdade possível e
expressa pelo não determinismo antes imposto, muitas pessoas sofrem nos
momentos de decisão, por se sentirem em dívida com o passado. Alguns fogem da
autonomia, por confundirem a responsabilidade por suas ações com acusações
provocadas pelas frustrações. Bastava, há duas gerações atrás, que fosse
simplesmente formulada, diante da vida, uma pergunta: estou tomando a atitude certa? Essa tinha uma resposta clara:
seguir fielmente os padrões e as regras que foram usadas na geração anterior.
Se hoje alguém quiser responder dessa forma, se sentirá culpado e acusado pelos
critérios utilizados no passado.
Há não
menos de cinqüenta anos, havia uma certeza: os casamentos estavam marcados por
uma regra moral estabelecida pela ausência de
dissolução sem uma justificativa que colocasse aqueles que decidiam se
separar como criminosos. Havia uma carga de abandono representada pela lei do
desquite e pelo sacramento religioso de que apenas a morte de um dos parceiros
poderia separá-los. Esse imperativo
aproximava escolhas amorosas de uma lógica matemática. Bastava seguir e repetir
mandamentos para se sentir alguém correto. É complexa a liberdade adquirida,
pois ela envolve que tenhamos que lidar com as frustrações de outra maneira.
Quando algo não acontece como o desejado, não ocorreu um erro com uma
possibilidade de correção.
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A
autonomia é ética, pois está adiante de padrões regrados pela moral ditada
pelos outros. Ela é guiada pela responsabilidade por cada ato praticado diante de si. A obediência não pressupõe um
padrão ético, pois contempla a isenção de quem age, já que está apoiada nas
regras e não no interior reflexivo de cada sujeito. O fato de alguém justificar
suas ações na história, na militância, ou em qualquer ideia que contemple uma
servidão, pode oferecer abertura a eixos antiéticos ordenados por princípios egoístas
disfarçados por ideias de certeza alicerçadas na simplificação de valores
moldados por grupos que almejam o poder diante do submetimento.
Simone
Engbrecht -
psicanalista