Ando devagar
“Ando devagar, porque já
tive pressa. E levo esse sorriso, porque já chorei demais.”
Almir Sater
Uma senhora, que utilizava o caixa de um estabelecimento
comercial, explicava para o funcionário como ela fazia para que o feijão fosse
feito de tal maneira a não provocar flatulência. Algumas pessoas que aguardavam
na fila começaram a reclamar da demora e a senhora respondia que havia chegado
a sua vez.
Foto: Reprodução |
Essa
cena cotidiana é marcada por dois personagens que se acusavam mutuamente de
egoísmo: quem esperava não respeitou o momento da senhora conversar com o
atendente e ela, por outro lado, não se preocupou com o tempo de espera de quem
estava atrás dela. Essa parece agora a pressa que faz chorar e sofrer, a falta
de respeito em relação ao outro. A pressa por chegar a sua vez na vida, como se
para a chegada da felicidade, todos estivessem em uma fila única.
Mesmo
que o conselho mais ouvido na atualidade seja que não devemos ter pressa. Ainda
assim, escutamos um comando nas entrelinhas da cultura de que precisamos agir
para que a nossa vez de ser feliz possa chegar. As pessoas andam com pressa e
sorriem a frente de uma telinha de jogo de paciência virtual. Cada um com seu brinquedo, tranquilas apenas
quando não há interação.
Antigamente,
o imperativo de respeito aos mais velhos era utilizado com o sentido de
educação. Nos perguntamos, por que ouvir e calar deveria ser em relação aos
mais velhos e por que não a todos? Talvez porque houvesse uma confusão entre o
significado de respeito e obediência. Vivemos onde muitos daqueles que
construíram a ideia de respeito por obediência,
hoje tentam ser revolucionários criando filhos que não enxergam ninguém.
Foto: Reprodução |
Para
haver respeito, não basta obedecer. Há um esforço em quem administra espaços coletivos
para que a convivência possa ser dada com respeito através da utilização de
listas de regras cada vez mais minuciosas. Não é raro lermos, em um banheiro
público, coloque o papel na lixeira, como se o respeito ao outro pudesse ser
conquistado pela obediência a um comando do que precisa estar escrito e não
é natural. É como imaginarmos que para
não haver discussão na cena acima descrita, a duração de atendimento de cada um
tivesse que ser estipulado.
Andar devagar, porque já tivemos pressa, indica
que o passado pode nos ajudar a chorar menos, se nos questionarmos se queremos
apenas sorrir quando nossas necessidades egoístas estão satisfeitas ou se
desejamos sorrir pela empatia com o semelhante. Com pressa, podemos tratar
nossas vontades como emergenciais, mas é somente com respeito que poderemos nos
alegrar em percebermos alguém sendo feliz.
Simone
Engbrecht -
psicanalista