Gestar ideais e não propriedades


           Há uma grande entre ser ter filhos e ser mãe ou  pai. Algumas pessoas, a fim de marcar essa diferença, afirmam que a mãe cria e não necessariamente é quem acolhe um bebê em seu ventre por nove meses. E, pais são aqueles que, através de um exame de DNA, são reconhecidos em paternidade, ou são aqueles que assumem o cuidado de alguém? Cabe repensarmos sobre o  que consiste a maternidade e a paternidade em tempos aonde o desenvolvimento genético e tecnológico permitiram outras formas de reprodução prescindindo de uma relação sexual e aonde  apenas um exame de laboratório atesta quem é o pai de uma pessoa.
         
Foto: Reprodução
  
Talvez não haja mais dúvidas de que o corpo e as questões concretas não são aquelas  que definem as funções paternas e maternas na atualidade, porém é importante avançarmos nesse tema com maior cuidado. Quem cria e cuida de um bebê ou uma criança é declarado pai ou mãe; acrescentamos que,  com  o avanço da longevidade, há um período novo na vivência de pais e mães: a fase onde os filhos são adultos. Refletimos aqui sobre o desejo dos pais pela  maturidade dos filhos.
            O  período mais delicado na maternidade e na paternidade é aquele onde os filhos não precisam dos pais de maneira concreta, mas necessitam muito de algo muito mais precioso: confiança e limite.A sociedade atual não privilegia esse bem: o amor em fiança, ou seja, aquele amor que não retorna e apenas confia na semente que foi plantada.
            Existem textos e estudos sobre um ninho vazio, por quanto é duro ver a casa silenciosa após os filhos ganharem o mundo. A questão é que os filhos ganham o mundo toda a vez que  os pais lhe  entregam o seu amor sem uma negociação de retorno alicerçada em  sua vaidade. Quando o projeto de ser pai e mãe contempla uma entrega amorosa, abrindo mão da aquisição de um novo bem, não há ninho vazio, porque a casa de alguém que possui capacidade de ter projetos de vida está sempre cheia de amor pela vida, pelos outros e pela criação.
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            Qualquer projeto, qualquer ideia, qualquer livro, qualquer planta, qualquer novo ser, quando é gerado para reconhecer uma autoria ou para enriquecer o vazio da alma de alguém, está marcado a ferro quente para não possuir existência própria. É difícil cuidar ou se responsabilizar pelo cuidado de uma criança, contudo é corajoso abrir espaço para alguém se tornar adulto e acompanhar as suas desilusões com a vida, com as frustrações e com as tristezas em relação ao mundo. Dá medo, por isso a coragem se fortalece quando pais ou mães aceitam com humildade os questionamentos e as revoltas dos seus filhos, inclusive e principalmente com eles, pais.
            A paternidade e a maternidade consiste na capacidade de suportar a rebeldia e a contrariedade de uma nova geração. Pais são  contentes  por abrirem portas para que pessoas se tornem sujeitos e não propriedades. O mais complicado hoje não é dar um sobrenome a alguém, todavia dar o seu amor sem um nome específico para isso. Pai e mãe cuidam de um ser que cresce, mas como se chamam aqueles que deixa os filhos seguirem seu rumo?
           
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Li, há dias atrás que filhos que perdem os pais são chamados órfãos, cônjuges que perdem parceiros são chamados viúvos, pais e mães que perdem filhos não tem denominação. Sim, difícil dar um nome a essa dor quando a perda dos filhos se dá pela morte. Podemos, no entanto, ter uma outra compreensão adiante disso, pais e mães não recebem um lugar por causa do filho, porém pela qualidade de seu amor, que nunca deixará de nomeá-los dessa forma.  Não mudam de lugar nunca em relação aos filhos. Pais e mães são aqueles que não tem filhos, nem deixam de possuí-los, apenas SÃO pais e mães porque abrem espaço para que pessoas possam se construir e crescer em sua companhia, sem uma marca de propriedade.

Simone Engbrecht - psicanalista
           

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