A ilusão do sentimento de culpa
Pode
parecer contraditório um sentimento de culpa aparecer na mesma frequência com que alguém se
percebe frágil diante de uma situação, pois a concepção de culpa, em situações
onde não há crime, consiste na confusão de que se é possuidor de uma força
capaz de modificar o mundo e os outros. O sentimento de culpa dá a noção de que
tudo é causado pela própria pessoa que carrega um peso. Surge, portanto, ao mesmo tempo, uma
ideia onipotente associada a uma sensação de impotência.
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| Foto: Reprodução |
Quem
não está livre não é porque está desamparado, mas se encontra incapaz de
administrar na prática a si mesmo: um bebê, um apenado, uma pessoa declarada
judicialmente interditada. Muitas pessoas não estão de verdade incapazes, mas
se escondem nessa posição aprisionada a algumas circunstâncias, por se perceberem
inaptas para resistirem à tentação da ilusão que algo ou alguém irá lhe
fornecer um amparo aos seus valores mais íntimos. Sendo assim, não se sentem
livres, mas com um sentimento de culpa provocado pela fantasia de que não são
pessoas separadas umas das outras, mas unidas pela ilusão de servidão e de um comércio
moral.
A
servidão apoiada na crença de que, ao não desagradar quem se ama, se conquista
o amparo de amor necessário para lidar com a
fragilidade é tão ilusória quanto justificar a tomada de uma atitude que desagrade a um
grupo a partir da fundamentação na falha de alguém. Ninguém é consequência ou
causa de ninguém, essa separação, sem dependência, nos convoca a refletirmos
sobre a nossa solidão, tão difícil de sustentar, mas tão libertadora quando
realizada.
O medo
e a angústia de romper com a ilusão de não estarmos sozinhos são
muito intensos, por isso, é preciso muita coragem para romper com uma servidão
de lógica comercial presente em algumas
relações.
[i]
Sigmund Freud, pai da Psicanálise, escreveu um texto chamado O futuro de uma ilusão, discutindo o pensamento
religioso, marcado pela ilusão de completude, e o livre, alicerçado na ignorância
em relação ao futuro.

