Filhos a gente cria pro mundo



Filhos a gente cria para o mundo: frase clichê dita pelos pais ao perceberem que os filhos estão crescendo. Pontuamos, porém, que mais do que pertencer ao mundo, cada um deve pertencer a si mesmo. Esse talvez seja o ponto mais complexo em ser pai ou mãe, a compreensão de que pertencer a si significa, ao mesmo tempo, ter responsabilidade e aceitar a sua impotência diante do mundo. Algo que somente os seres adultos maduros alcançam.
       
Foto: Reprodução
  Saber amar é saber deixar alguém te amar é um trecho da música de Herbert Vianna[i], onde destacamos aqui a expressão saber deixar[ii], cujo sentido é muito mais amplo do que deixar partir ou separar-se. Saber deixar corresponde à possibilidade de acompanhar-se de verdade de alguém como realmente é. Dizermos apenas que aceitamos alguém pode ainda conter uma raiz inconsciente de que escolhemos, pois se aceita algo somente após uma pergunta: você aceita Beltrano ou Ciclana como...? Quando amamos, apenas sabemos deixar, pois sentimos imenso prazer em perceber a diferença, a criatividade, o estranhamento que uma pessoa nos provoca, por ser ela mesma. Saber deixar os filhos corresponde à aquisição da observação da sensação de estar acompanhados de seres inteiros e independentes.
         Tornar-se pai ou mãe constitui uma felicidade com a responsabilidade da descoberta muito bem misturada com a visão de impotência diante do mundo. A maturidade traz essa satisfação: a percepção que o nosso desamparo diante da vida nos fortalece para agirmos com coragem diante dos riscos. A identificação dos pais com a conquista de autonomia dos filhos ao aprender a caminhar e a falar, a seguir sozinho, é grande, pois permite a sensação de que eles não dependem apenas de quem os gerou, mas sabem voar e por isso estão sujeitos a quedas. Os desprazeres na vida dos filhos construirão as suas asas e os fortalecerão para se levantarem após caírem. Os pais são aqueles que confiam na força dos filhos para suportarem os momentos desafiadores, sem apenas aplaudirem o sucesso, mas se identificarem com a sua coragem.
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Os filhos não sabem voar quando conseguem abrir as asas e viverem no mundo, mas quando reconhecem o seu tamanho diante do inesperado. Perceber a sua pequenez sem humilhação, mas com humildade, transforma-os em pessoas bem protegidas. Admiramos  os pais que  não criam filhos para o mundo, para servir a esse, mas para a viver a vida como ela se apresenta. Assim como ficar adulto é maravilhoso, pois a responsabilidade por si é libertadora, envelhecer também é ótimo, pois se possui a oportunidade de  observar a vida sob o ponto de vista da maturidade necessária para não se aprisionar à realidade. Experimentar com leveza ser pai e mãe de filhos adultos é uma aquisição somente para os maduros que apreciam o sabor de abrir as asas para voar sozinho. Então conseguem compreender a alegria da independência e saber deixar alguém amar.  
Simone Engbrecht - psicanalista




[i] Herbert Vianna – líder da banda Paralamas do Sucesso, cantor e compositor.
[ii] Saber deixar – expressão trabalhada por Jacques Derrida (1930-2004), filósofo francês que trabalhou com a complexidade da associação desses dois verbos e com a sua desconstrução, seu tema de estudo.

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