O Eu: uma pele protetora da identidade



         A nossa identidade está protegida pelos valores com os quais   escolhemos ser coerentes. Já o nosso eu funciona como uma pele[i]. Esse órgão, o maior do corpo humano, reage a algumas mudanças ambientais, mas, por ser ele protetor, realiza tudo a fim de preservar o que está no interior do que envolve. Em nosso psiquismo, ocorre o mesmo: o nosso eu pensa, reflete e clarifica ideias, para que não sejamos apenas um reflexo de como são ou como agem os outros. Somos bem mais complexos que as amebas, pois possuímos uma identidade. 
Foto: Reprodução
Quando imaturos, ainda sem pele, as ações são reflexas e buscam uma ajuda alheia, reagimos aos desprazeres, chorando ou esperneando, para que alguém atenda aos  nossos desejos e alivie qualquer tensão. Quando crescidos, cai a ficha de que não adianta mais atribuirmos ao mundo o motivo dos nossos desprazeres. Não é raro essa ficha parar no caminho e não descer.  O cordão umbilical cortado só ocorre quando a pessoa adulta não se sente em carne viva, esperando, fora do tempo, que o universo cuide dela.  Qualquer mal estar, grande ou pequeno, pode até ter sido desencadeado por uma circunstância ou um acontecimento externo, porém, os sentimentos por eles provocados precisam ser administrados por cada um. Lembrando que sentir desprazer não nos torna masoquistas, mas pessoas que suportam ter limites com pele. Cabe a cada pessoa suportar o que não lhe agrada e escolher apenas sobre o que pode modificar a partir da noção clara de qual é o tamanho de sua impotência em relação aos outros.
         Estamos com carne exposta quando  qualquer estímulo tira o nosso prumo. Algumas vezes, a nossa grande sensibilidade não é característica de nossa identidade, mas de uma falta de Eu-pele.  O trabalho mais árduo na construção da pele protetora de nossa identidade é encerrarmos a fantasia de comércio amoroso: realizarmos algo por alguém buscando não desagradar. Alguns entendem que não existe amor incondicional e as condições para o florescimento do amor é a troca de reconhecimento.
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         Acreditamos que o amor não é incondicional. Porém, a sua condição não está numa moeda, ao contrário, o comércio aniquila o amor. Permanecermos ligados pelo umbigo e em reflexo aos outros torna o que se chama de amor um ato de indiferença em relação ao outro, todos somente ligados por um duto de alimento que alivia desconfortos. O amor não pode ser  visto como um cordão umbilical para  realmente respirar: essa é a sua condição. O amor é como uma semente que só  germina em identidades  cultivadas e protegidas por eus  que compreendem quais são os seus valores mais caros sem a necessidade de permuta com o destino.
Simone Engbrecht - psicanalista




[i] Eu-pele é um termo utilizado como metáfora por Didier Anzier, psicanalista francês, ao ocupar-se com a constituição e o desenvolvimento do nosso psiquismo relacionando isso ao maior órgão do corpo: a pele.

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