O amor é como um horizonte


     Os poetas portugueses sempre aproximaram o tema do amor ao da arte da navegação. É impressionante imaginarmos que o horizonte dos descobridores de novas terras era apenas uma linha reta que contemplava uma estabilidade que os inquietava.
    Certa vez, a minha ignorância sobre aviões fez com que eu construísse uma metáfora preconceituosa sobre pilotagem de aeronaves. Depositava, nos aparelhos, a responsabilidade das informações e considerei esse ofício cercado de muitos rituais e obediência. Foi, somente quando alguém que ama a arte de voar me sacudiu, me mostrando que não há rotina quando se ama. Recordou o que eu já sabia, mas, resistia como todos amantes da revelação das peculiaridades de minúcias encobertas por nossa tendência humana a construir uma síntese. Um psicanalista é curioso pelo sentido abafado por uma aparente repetição no discurso de alguém, como um piloto, um navegador, ou  um amante do ofício aventureiro de um investigador, cuja qualquer manifestação de estranha mesmice desassossega.
       
Imagem Diário de Bordo:
www.diariodebordohofmann.blogspot.com
Lembrei da linha do horizonte que atrai aos aventureiros. Um descobridor de novas terras não busca tempestade, pois não é masoquista; ele investiga o horizonte no intuito de  remover a virgindade de uma terra e explorar pontos onde ainda ninguém alcançou. O tempo cinzento é apenas uma intercorrência presente em longos caminhos de transformação.  Para cada relação amorosa de fato, somos virgens, pois há uma intimidade de descoberta única em cada encontro e, principalmente, em cada momento novo  com a uma mesma pessoa. A navegação amorosa não é movida pelo perigo, mas pela novidade da sutileza que o ser amado apresenta em cada detalhe de movimento.
        O amor nos leva a terras novas que ainda não foram desbravadas, porque ele não é mantido por convenções, por correspondência ou por companhia; pois não é a moral, nem o comércio de afetos e muito menos a impossibilidade de estar só que o alimentam.  O amor conduz um amante a espaços nunca antes ocupados, pois inspira  o desejo de que o ser amado se sinta virgem a cada instante no qual se sente estar sendo compreendido pela primeira vez.
Foto: Reprodução
       Alguém se sente amado quando se sente no lugar de um horizonte. A questão é de qual horizonte falamos: daquele em que é a segurança da estabilidade de alguém emocionalmente distante ou  é uma linha reta de aparência circunstancial. Nesse último caso, o ser amado está disponível para que as pessoas possam se aproximar, porque ele as enxerga. Alguém que quer ser horizonte para navegadores hábeis necessita paciência, pois as aventuras só acontecem com a sabedoria de quem alcança novos enigmas capazes de promover novos projetos em qualquer tempo da vida.  
Simone Engbrecht- psicanalista

Postagens mais visitadas deste blog

Ao Cair a Ficha, Escolhemos

Envelhecer é um Privilégio

A Adolescência da Humanidade