Escutar e Ouvir
Ao
ouvirmos o que emociona o coração e não somente o que faz bem ao ouvido,
escutamos uma canção muito além de sua letra. Tomaremos o clássico de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Eu
sei que vou te amar[i],
a fim de refletirmos sobre essa diferença. Como os poetas podem predizer o
futuro, se, de outra forma, são tão humildes diante do destino? Como sabem com
tanta certeza? Talvez porque criam muito além de uma utilização de palavras, encantam ao
expressar um som que representa o muitos gostariam de dizer.
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Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver/A espera de viver
ao lado teu/Por toda a minha vida. A palavra desventura nos inquietou nessa canção. Parece contraditório que
esses poetas tivessem composto algo melancólico sobre o azar de espera por
alguém. Essa seria uma leitura linear desses três versos.
Ao
observarmos minuciosamente, notamos que a palavra viver se repete: ‘desventura de
viver’ e ‘viver ao lado’. Nessa
canção, a repetição marca a diferença desses tempos: ao escutarmos que o desejo
de viver por toda a vida ao lado de alguém pode dar sentido a quem sofre a
eterna desventura de viver, nos emocionamos. Alguém que sofre
infortúnios os ultrapassa quando observa a sua paciência em desejar estar ao
lado do seu amor. Por isso, cada volta do ser amado apaga a sua ausência. A
desventura não corresponde a esperar por alguém, de
maneira alguma. A desventura é o que faz parte da vida como ela é, e a espera por amor pode retirar alguém do sofrimento. Podemos ouvir que a desventura está em viver
a espera de alguém, ou escutar que o sofrimento da desventura de viver é
marcado pela esperança de estar com alguém. Essa é a diferença entre ouvir e escutar.
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Escutar
versos sem a racionalidade da lógica formal e linear amplia a possibilidade de
interpretar o que ouvimos. Saber deixar estradas antigas, encontrando novas
trilhas nos torna seguros de que iremos amar a vida colorida e florida por suas desventuras sofridas e os amores irão acontecer.
Simone Engbrecht - psicanalista
[i] Eu sei que vou te amar é uma canção de
Vinicius de Moraes e Tom Jobim regravada por Maysa Mararazzo em 1959.
[ii] A Interpretação dos sonhos é um livro
de Sigmund Freud considerado como marco do início da Psicanálise.