Jazz e improviso


Há uma frase atribuída a George Gershwin[i] “De certo modo, a vida é similar ao jazz...é muito melhor quando improvisamos. Talvez no momento onde a frase foi escrita, imprevistos significassem apenas a criatividade diante do repentino. O tema do improviso, porém, inquieta na atualidade, porque as regras parecem existir somente fora da lei. As festas passaram a ter regras da moda e ditam os passos para um evento com muita imagem e sem a lei da alegria, muita cerimônia sem contemplar os valores de encontro ou de vínculo emocional.  E, por outro lado, a lei que deveria comandar o bem comum, não raramente, é vista somente como uma regra do que é bom para um grupo. Impostos abusivos estão na regra, mas não contemplam, algumas vezes, o bem comum.
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A lei, a ética, fica confundida com a moral, pois está fora de lugar da educação. Essa está nos valores que fazem alguém perceber a sua vida inserida na coletividade e não em um acúmulo de notícias sobre o que é considerado útil. A curiosidade de muitas pessoas hoje está infelizmente relacionada  à sensação de não terem adquirido conhecimento. O efeito disso é o consumo da informação: se não sei uma língua, devo viajar e comprar essa habilidade na linguagem; se fali num empreendimento, devo adquirir melhor destreza em marketing estratégico. Porém, o compositor genial que citamos marca que as receitas não estão na regra, mas na experiência que só acontece no improviso, enquanto caminho novo e não enquanto caminho fácil.
Na Língua Portuguesa, improviso, além de conter o sentido de uma criatividade com o repentino, também é um termo ligado a gambiarra. Parece esse o adoecimento da criatividade presente hoje: uma extensão de luz criada como artifício no teatro virou uma maneira fraudulenta de desviar energia elétrica. Novos caminhos criados no impedimento diferenciam-se de um desvio para burlar regras quando a aceitação da lei se transforma num obstáculo a ser ultrapassado.
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Improviso, no sentido da arte, acontece na descoberta. Segredos, na culinária, estão na experiência em lidar com a obra, sem a preocupação com a obediência a receitas. Ao fazer uma massa com uma quantidade de ovos e farinha, por exemplo, além dos ovos serem de tamanhos irregulares, o clima e a temperatura das mãos do chefe irá comandar grande parte do espetáculo. Mas, quando a regra da informação está acima de qualquer ética, os ingredientes e o preparo são criados com a finalidade de contemplar a sua utilização. A indústria do que se usa enquanto ingredientes, nos quais se é intolerante por natureza ou por ideologia, por exemplo, suplantam qualquer clima.
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A utilidade sempre se contrapõe ao amor. Esse talvez seja o eixo mais difícil de sustentar quando se tem pouca estima. O improviso do jazz só pode ser apreciado, quando a vida está nessa mesma sintonia: da beleza que vai muito além de uma aparência. A reflexão sobre o que a diferença entre ética e regras morais hoje é urgente.
Simone Engbrecht - psicanalista




[i] George Gershwin – compositor americano, nascido no Brooklyn em 1998. Criou Rhapsody in Blue em 1924.

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