O horizonte de quem envelhece


Nascemos acreditando que o mundo gira ao nosso redor. Não víamos nada além de nosso umbigo e o horizonte nem existia. Quanto mais envelhecemos, mais nos afastamos desse momento. A neblina provocada pela onipotência infantil vai se dispersando à medida em que a vida avança, o que propicia uma maior visibilidade para aqueles que compreendem que essa linha ao longe não corresponde simplesmente ao futuro, a morte, mas o sentido da sua vida.
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Devir é um verbo não muito usado em linguagem cotidiana, talvez por ter um significado bem valioso. Devir corresponde a vir a ser, um processo de mudança efetiva pela qual todo ser passa quando seu movimento é transformador. Acreditarmos que o nosso tesouro está no presente que a vida nos dá: o momento presente, possibilita que nossa respiração seja mais intensa e que prestemos mais atenção em o que na atmosfera nos faz inspirar.
‘Melhor idade’ é um termo forjado numa comparação. Porém, não há como comparar acontecimentos e vidas simplesmente diferentes. Situações difíceis irão acontecer. A pesagem das dores numa medida de sofrimentos, além de inútil, faz com que as pessoas sintam-se injustiçadas. Pois a balança serve apenas para a área do Direito.
Muitas vezes alguém confunde o horizonte futuro com a morte, quando está envelhecendo, apenas porque está olhando para o seu passado. Esse último, sim, já morreu e está perdido. No futuro também, todos iremos morrer. A morte está no passado e no futuro. Pensar na vida é pensar no único momento onde ela acontece:  no agora. Vivos, o passado só pode servir como aquisição do que não queremos repetir para nos sentirmos em um movimento de verdadeiro devir, com a intensidade de uma transformação.
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Quem é jovem enxerga um horizonte? É muito comum que confunda horizonte com as suas ilusões, pois a neblina ainda não se dissipou. Uma pessoa com mais anos vividos consegue ver melhor um horizonte? Não, para aqueles que não conseguiram abismar-se com o fim das fantasias juvenis, vêem apenas o horizonte como sinônimo de morte. Sim, para aqueles que intensificam a sua presença no interior de seu corpo. Para aqueles que se sentem vivendo em um corpo diferente do que era, ou seja, do seu corpo vivo, sem ilusões, mas com uma sensação de devir.
O nascer e o pôr do sol são semelhantes. Tudo depende de nossa posição em relação ao Sol e de nossa reflexão sobre o nosso movimento. Tudo o que está na Terra, vivo ou morto se movimenta em relação ao Sol, porém a nossa mente pode dar abertura ao devir, ou seja, a uma atitude ativa quando percebemos que o lado onde nasce o sol no horizonte apenas nos orienta sobre onde estamos e não para onde vamos. Ao envelhecer, recebemos apenas bússolas mais potentes e elas deixam o nosso espaço mais iluminado para nos sentirmos mais vivos. Principalmente quando entendemos que a vida é rica quando, ao nos localizarmos, encontramos a nossa essência amorosa.
Simone Engbrecht - psicanalista

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