Amados pelo que somos e não pelo que temos


Muitas sugestões  indicam, através de frases bem construídas esteticamente, que devemos nos ocupar mais de quem somos de o que possuímos. Porém, é mais simples a compreensão racional desse conselho que a sua apreensão em existência. Vivemos momentos sombrios de muita competição. 
Elton Jonh: imagem em site Cinepop
A conseqüência da percepção da diferença anatômica entre os sexos nas crianças inspirou Freud a construir sua teoria sobre a sexualidade infantil que é muito mais complexa do que uma distinção biológica marcada pelo fato de ter ou não ter uma característica. A temática da diferença atravessa todo corpo teórico da psicanálise, pois implica no amadurecimento envolvido com a ultrapassagem do narcisismo[i]. O desenvolvimento da autoestima demanda que o desamparo inerente ao humano seja reconhecido e motive o investimento amoroso em outras pessoas. Quando isso acontece, o prazer passa a divergir de alívio, e a empatia brota no contato com aqueles que não possuem problemas em contatar  a sua humanidade e a sua pequenez diante da vida com humildade.
Para alguns, a diferença fálica[ii] como alicerce do amor próprio não consegue ser administrada. Há pessoas que vivem a sua vida para se assegurar de que possuem algo que lhes reconheça com um valor a partir de uma diferença com os outros, sendo essa sempre material: ter ou não ter dinheiro, possuir ou não parceiro, ter ou não ter filhos, ter ou não qualquer bem que indique um sucesso profissional a partir de uma aquisição. Deixar para traz a competição é um momento transformador e fértil, pois torna a vida com um novo objetivo distante daquele que procura alcançar um preenchimento para uma carência resultante de não conhecer seu dom.
Nossa essência é sempre única, sendo ela a nos colocar de um lado como solitários e de outro, gregários. Conseguimos nos acompanhar de fato se limitarmos nosso desejo de posse. Uma mãe só é mãe quando não ‘tem’ os filhos no sentido de não percebê-los como um pedaço que lhe completa e as torna diferente das demais mulheres. Um homem somente usufrui de uma parceria se a sua companhia não for utilizada para lhe dar um status. Quando cada um é movido pela inveja do que não possui, não consegue movimentar-se pelo que tem a fim de entregar em amor. 
Imagem do Filme Intocáveis
A maturidade da sexualidade acontece quando alguém se sente possuidor de um desejo de entregar amor. Como disse Philippe, personagem do filme Intocáveis[iii]: ‘talvez eu seja ingênuo, mas ainda espero seduzir com algo além da minha conta bancária’. Alguém se sente amado quando pode perceber pessoas admirando quem é e não o que possui e tem prazer em amar quando constrói parcerias a partir da empatia com a maneira de alguém administrar as suas deficiências. Concluímos com Elton John: ‘How wonderful life is while you’re in the world’.
Simone Engbrecht - psicanalista




[i]Narcisismo- refere-se a um conceito psicanalítico que desenvolve a concepção, baseada no mito de Narciso, de que a constituição do sujeito envolve inicialmente a ideia de que tudo possa ser reflexo de si mesmo.
[ii] Fálica- marcada por um falo, por simbolizar poder.
[iii] Intocáveis é um filme francês de 2011, baseado em uma história real e que conta uma história de amizade entre um milionário tetraplégico e o seu cuidador.

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