Sem rancor, a vida fica mais leve
O
rancor é um re-sentimento sustentado
pela repetição de um desejo de vingança que envenena os projetos de vida de
algumas pessoas. As que sofrem deste mal seguem sendo ainda prisioneiras da Lei
de Talião[i],
olho por olho - dente por dente, que consiste na reciprocidade entre crime e
castigo. Essa lei faz parte da história do Direito e nossa reflexão, nesse
momento, se debruça sobre a sensação de injustiça presente naqueles que se
percebem vítimas dos limites da vida a partir de questões que ultrapassam
questões jurídicas, pois são de natureza psicológica.
Imagem: blog Tânia Felix |
Quando alguém ama e não se sente amado da mesma maneira,
pode se sentir injustiçado. Quando alguém se esforça para um projeto
profissional e outra pessoa brilha com muito sucesso, pode se sentir
injustiçado. Quando alguém adoece e alguém tem saúde, pode se sentir
injustiçado. Quando alguém envelhece e outros exibem um corpo jovem, podem se
sentir injustiçado. Repetimos aqui quase como um refrão, pode se sentir injustiçado, pois o rancor embutido nesse ressentimento
não vai embora; ele cresce como erva daninha na alma de quem tenta, em vão,
cobrar as dívidas que acredita a vida ter para com ele, pois qualquer insatisfação
não consegue ser sustentada como uma circunstância.
O não possui um
valor muito importante na construção de um trajeto sem tanto peso. Se nascemos em um
lugar, não nascemos em outro, se passamos por uma situação no dia de hoje, essa
data estará marcada por ela. E não
há como substituir uma vivência. Nenhum segundo de nossa vida é substituído por
outro. O desejo por uma borracha, daquelas que apagam algo escrito em rascunho,
só pode se realizar nas histórias que escrevemos, mas não naquelas pelas quais
passamos.
Foto: Reprodução |
A dívida cobrada por aqueles que não se sentem
suficientemente recompensados pela vida não é saldada pelo amor que recebem,
pois esse nunca é sentido como suficiente. O amor nunca nasce da culpa ou de
qualquer dívida e ele não é reconhecido por aqueles que colocaram um preço em
tudo. Há como que um vazamento amoroso no
coração dos que se entendem injustiçados: a dívida que cobram não pode ser paga,
simplesmente porque ninguém e nenhum momento consegue substituir dores de
outros momentos. A vida só fica mais leve quando as diferenças são apreciadas
como uma novidade. Um semelhante, alguém com quem possuímos empatia, afinidade,
mas obviamente não é nosso espelho, pode
nos surpreender por nos apresentar a novidade não encontrada no que já vivemos
sozinhos. Alguém só pode acrescentar algo na nossa vida quando o rancor pode
ser interrompido por um não: um não a qualquer comparação que invoque
uma sede por justiça fora da seara do Direito.
Simone Engbrecht - psicanalista