Vingança é um prato que se come frio[i]
Vingar é um verbo peculiar para
refletir sobre a tendência ao domínio presente na tentativa de transformar
experiências que foram vividas de maneira passiva em uma forma ativa[ii].
Utilizaremos, para tanto, como metáfora a transitividade verbal[iii]
que identifica o sentido desta ação de vingar que aqui nos interessa.
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Dizemos
que uma planta vinga quando ela tem êxito em sobreviver num ambiente onde foi
colocada. Um vegetal vinga ou não, e ponto final, podemos até nos perguntar
sobre as condições favoráveis para isso, mas para compreensão da locução, basta
o verbo. Simplesmente vinga, cresce, tem sucesso. Já, quando nos referimos a
uma ação de desforra, o verbo solicita um complemento, alguém pode vingar o quê? A morte de alguém, uma violência
sofrida, portanto, vinga algo que lhe
causou dor.
Obviamente
não iremos nos tornar plantas após algum prejuízo, porém nos tornarmos sujeitos
de uma ação sem a necessidade de colocar outra pessoa na posição passiva na
qual nos encontrávamos, pode fazer mudar em nós a necessidade transitiva de
nossa ação. Deixarmos de ser objetos em uma situação onde fomos vítima de uma
violência e nos tornarmos sujeitos de uma vingança, somente irá substituir o
nosso lugar antigo por outra pessoa.
O conselho
de que é preciso tempo para apreciar a vingança na proposta de que ela é um
prato que se come frio ainda aponta para vingança no futuro, mas talvez a sabedoria,
proveniente da paciência para que o calor vá embora, possa mudar o estado da
nossa fome. Sujeitos do verbo vingar na sua forma intransitiva não necessitam
de longos predicados, é só dizer ‘Fulano vingou’. Essa sentença afirma que
Fulano se desenvolveu. Não inverter apenas algo vivido direciona essa tendência
inata ativa, em retaliação, para uma possibilidade criativa, no cultivo.
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Alguém
humilde não é um ser humilhado, se o sentimento de humilhação presente na
passividade de um sofrimento vivido puder ser elaborado psiquicamente. Então, o desejo de humilhar alguém não será mais uma resposta automática. A tendência
destrutiva aprisiona e faz com que um mal, seja do corpo, seja psíquico,
encontre solo fértil. Alguém vinga quando se torna sujeito em si mesmo, não
necessitando um objeto externo para uma mudança passageira de posição. Vinga e não se vinga . Na
espera por esfriar o prato, alguns podem desistir de vingar-se de alguém, pois
o ódio possui um sabor amargo, seja ele, quente ou frio. Percebem que a vingança é um prato que não se come, para que a vida vingue e floresça.
Simone Engbrecht - psicanalista
[i]
Frase atribuída ao diplomata francês Talleyrand
[ii]
Tendência ao domínio foi relacionada em 1920 por Sigmund Freud ao conceito de
Pulsão de morte.
[iii]
Transitividade verbal – indica o tipo de ligação que o verbo estabelece com um
complemento ou quando ele não transita para um objeto.