As mudanças acontecem por amor e não por dor


       Na vida cotidiana, muitos acreditam que a dor faz com que as pessoas mudem. Como ouvimos: a dor ensina a gemer. Pode ser, mas gritar de dor pode não adiantar nada, quando as mudanças necessitam acontecer dentro de cada um. Em psicanálise, os estudos sobre as mudanças foram mostrando que não é a dor que modifica alguém, mas o amor.
     
Foto: Reprodução
   
Sigmund Freud também acreditava, no início do seu trabalho[i], que as causas para o sofrimento psíquico pudessem ser concretas e que o fato de sofrer conduziria as pessoas a tratamento. Após a Primeira Guerra, diante dos efeitos destrutivos da mesma, compreendeu um outro tipo de resistência à mudança: a mais intensa, relacionada a pulsão de morte[ii]. Essa descoberta abriu espaço para uma visão mais complexa sobre o tema do masoquismo, e trouxe um maior alicerce ao trabalho que ele já havia iniciado através do tema do amor de transferência[iii].
         Nos últimos dez anos de sua vida, Freud dedicou-se a escrever sobre a busca da felicidade plena através de ilusões fanáticas e apresentou o Amor como sendo uma das possibilidades de mudança onde a pessoa toma consciência de seus ideais e os diferencia de suas idealizações.  
         É claro que esse nosso presente escrito vislumbra é somente a ponta de um imenso iceberg. Porém, ele se propõe a inquietar aqueles que se acomodam inconscientemente[iv] a situações dolorosas, pois existe no interior de cada psiquismo uma tendência à compulsão a repetir, expressão da a destrutividade relacionada a pulsão de morte. A dor ativa uma necessidade de acomodação e repetições de antigos caminhos.
         A psicanálise não se propõe a sugestões, pois os conselhos reforçam aqueles que estejam em uma repetição destrutiva a procurar um alívio através das certezas alheias e deixarem de valorizar o amor que existe dentro de si, responsável pela saída do lugar comum. O que é cotidiano, cômodo, repetido, precisa ser olhado com estranhamento[v] a fim de que o benefício da dúvida possa se manifestar e a radicalidade expressa numa fuga da dor possa ser suplantada pelas incertezas do amor gerador de uma curiosidade.
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         A curiosidade produz mudança. Aqui salientamos que estamos falando no interesse diante mesmo daqueles conhecidos há muito tempo, sobre os seus pensamentos, sentimentos e, principalmente,  valores. O amor movimenta tudo isso, já não ocorre o mesmo com as paixões. Essas últimas observam os atributos de alguém, suas características, seu comportamento, ou seja, aquilo que necessitam para um alívio e  para não transformarem o seu universo interior. A arrogância decorrente de uma falta de curiosidade pretende uma defesa diante da dor, mas não alcança uma proteção.
         Como afirma Fernando Pessoa: “tudo quanto vive, vive porque muda”. Podemos sobreviver às dificuldades, mas para viver, é preciso mudar por amor. Feliz 2019. 
Simone Engbrecht - psicanalista




[i] Estudos sobre histeria, publicado em 1895.
[ii] Além do princípio do prazer, publicado em 1920.
[iii] Transferência- processo de desejos inconscientes que se atualizam na relação analítica.
[iv] Inconscientemente- sem consciência de um querer.
[v] Unheimliche – é um termo utilizado por Freud para marcar que há algo sinistro, algumas vezes, envolto em uma capa de familiaridade. 

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