Envelhecer e a virada do ano
Atualmente, tudo é passível de
grenalização[i], qualquer
ideia passou a fazer parte, na nossa cultura, de uma disputa apaixonada como a de quem torce
por um time. Alguns odeiam o inverno, outros se queixam do verão. Uns se dizem
diurnos, outros são portadores de entusiasmo para estar acordados a noite
inteira. Isso não poderia ser diferente em relação às festas de final de ano:
alguns afirmam amar a época natalina e outros atribuem o seu mau humor ou a sua
tristeza ao mês de dezembro.
Foto: Reprodução |
A passagem do tempo transforma-se num tema polêmico quando
até envelhecer pode ser chamado de ‘a melhor idade’ ou de ‘a idade da dor’. Refletindo
sobre o último mês do ano, nos questionamos sobre o que faz com que todos
corram tanto nesse momento, se deprimam ou se calem com tanta comida ou bebida.
Mudanças não acontecem sem resistência a elas. Isso porque
sempre se gasta energia para efetivá-las. É somente para uma repetição
mortífera que não é preciso esforço, pois viver exige um empenho de renovação*[ii].
Se uma energia não for utilizada para renovação, a tendência destrutiva
naturalmente ganha espaço no nosso corpo. As estações do ano, os ponteiros do
relógio, a posição solar podem voltar a um estado anterior, mas a vida humana
precisa de mudança, necessita, ao menos, que movimentemos o nosso diafragma
para que ele siga em frente.
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Envelhecer
e dezembro possuem a semelhança com o confronto diante do tempo. Mudar pode ser
um momento a tentar esquecer o passado ou uma oportunidade para criar um plano
com maior efetividade a partir de uma virada.
Dezembro
é um momento onde as pessoas se preparam para o ano seguinte, como se fossem
dormir e se entregar aos sonhos antes de
um novo dia. Nos inquietamos com o fato de que, muitas vezes, esses desejos se
mostram cada vez mais individualizados e, talvez, por isso, menos passíveis de
realização. Assim parece também o ideal de envelhecimento: usufruir de um
esforço na juventude ou de pessoas mais jovens.
Compartilhar presentes significa estarmos conectados
com anseios de quem está ao nosso redor. Isso não é evoluído, nem decadente,
pois não estamos num Grenal. Doar é
apenas uma maneira de cada pessoa fazer parte do mundo com o que tem a
oferecer. O mais importante não é o que cada um deseja que Papai Noel possa lhe
trazer, mas acreditar no bom velhinho que vive dentro de cada um, com prazer em
transmitir alegria a quem está ao seu redor.
Não iremos viver mais nem menos por causa do amor. Ele não é
uma moeda passível de ajuste cambial. O amor é a energia que desafia a
resistência à mudança, porque ele renova a vida sem que precisemos julgar se
ela é mais evoluída, mais sábia ou menos clichê. Planejar 2019 ou o
envelhecimento não é apenas termos uma lista de projetos, mas vivermos a
passagem com a satisfação de cultivarmos um jardim com boas relações, com o
prazer de escutarmos os sonhos dos outros como um velhinho na fantasia de Noel
que escuta a simplicidade das crianças. Coloquemos na nossa lista o que
desejamos entregar ainda em dezembro: aos outros ou a nós mesmos, com alguma
mudança em nossas atitudes.
Simone Engbrecht - psicanalista
[i]
Grenalizar- transformar algo como se fosse uma disputa Grenal entre os times do
RS.
[ii]
Escrevemos no blog um artigo Mudar não é
fácil: respeito às resistências em 01/04/2018.