Festas em Família


Escrevemos, num outro texto, sobre a diferença entre co memorar e festejar, entre uma lembrança com emoção e uma euforia que foge da tristeza. Nesse momento, pretendemos refletir sobre o sentimento inconsciente de culpa, muito frequente, em momentos de reflexão. No final de ano, é comum que estejamos mais introspectivos, pois uma virada significativa no calendário modifica um cenário concreto. Alguns, não raros, possuem dificuldade com qualquer mudança no tempo e, ao invés de organizarem um recolhimento, necessitam de uma alegria artificial ou de uma capa de arrogância em relação aos riscos da vida. 
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Nos anos 70, ou mesmo antes, chamavam ‘cadeirinha de pensar’, um lugar próprio para que alguém se arrependesse de atitudes que tivessem causado algum mal. O pensamento e a reflexão, em nossa cultura, muitas vezes, estiveram associados a condenação proveniente de um julgamento. Infelizmente, pois pensar e refletir não significam condenar ou buscar culpados, o pensamento é uma capacidade complexa do humano que ultrapassa o raciocínio simplificado presente em uma comparação movida por um critério limitante.  
A cada final de ano, todos recebem, por caminhos virtuais, mensagens de paz e solidariedade de seus contatos. Palavras emocionantes que deveriam ficar gravadas, ou melhor, serem praticadas, durante o ano inteiro. O inquietante é que, na virtualidade, numa virada de ano, muitos enchem seu coração de emoção e amor. Porém, nos encontros familiares concretos, algumas vezes, sentem um peso e uma tristeza enorme.
         A tarefa do amadurecimento, a cada mudança no ponteiro do relógio, está em abrirmos mão de malas pesadas recheadas com os ressentimentos. Como o nome já diz re sentimentos, são aqueles que não param de repetir e incomodar. A leveza é adquirida quando decidimos dar uma parada nas comparações, herdadas da tradição de julgamentos aprisionantes.
 Comparar alguém a como nós gostaríamos que cada pessoa fosse faz com que realizemos cobranças. Porém, mais intensamente, compararmos alguém com  a superficialidade de características de outro alguém faz com que nos tornemos cruéis. As comparações são sempre maldosas, pois partem do princípio de que alguém não é reconhecido em sua especificidade. Cada um é um ser único e esse é o grande valor de cada existência. O gatilho de desencontros quase sempre reside nesse ponto: comparações e medidas. Você não fez isso antes, Fulano não faz isso e você faz, Beltrano consegue isso e você não.
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As comparações só são realizadas quando alguém não é visto em sua essência. Pois cada um é um ser especial, não há parâmetros para identificar uma pessoa. Há sempre algo novo e nunca antes vivido que marca alguém como um ser único. Quando alguém diz: ‘Fulano é mais...’, ‘Beltrano não faz isso como você’, ‘Ciclano consegue tal feito e você não’. Tudo isso arrebenta aquele que escuta ser comparado com Fulano, Beltrano ou Ciclano. Uma tristeza!
Trouxemos esse tema ao final do ano, pois entendemos que as comparações são práticas comuns quando acontecem desencontros: seguidamente quando há um compromisso de convivência em virtude das festas. A vida, porém, pode ficar mais leve quando co memoramos, isso é, podemos lembrar juntos, sem cobranças, momentos amorosos onde os vínculos foram gerados. Essa é a ideia de qualquer mudança sem a culpa por sermos raros, ou melhor, diferentes de qualquer comum.
Só mudamos por amor. A dor, muitas vezes, acomoda alguém numa situação de anestesia e não de modificação.  Freud[i] abriu uma possibilidade de uma via aberta pela mudança das relações de cada um com os seus botôes[ii]. Pela  capacidade de refletir sem julgar ou comparar: esse é um raciocínio analítico e não sintético, pois não visa resumir e sim, ter curiosidade de ir além. O propósito em observar que um lugar assegurado pela certeza de que todos são culpados e errados quando há uma sensação de  desprazer , só torna alguém desumano,  sozinho e sofredor de uma desesperança.
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Alívio e felicidade não são irmãos, muitas vezes, são até inimigos, pois o alívio pode numa tentativa de enganar-se diante de si mesmo. Descarregar um desconforto pode machucar quem está próximo e trazer mais infelicidade. Administrar as frustrações é o eixo primeiro de qualquer mudança interior. Para que 2019 seja um Novo Ano no verdadeiro sentido de novidade, é necessário livrar-se das bagagens não adquiridas apenas em 2018, porém ao longo de todo o tempo que uma mudança necessária foi adiada, um sentimento foi guardado como mágoa ou um desejo ficou condenado a simplificação de seu sentido.
Esperança não está na espera, mas no desejo de que a destrutividade promotora de repetições mortíferas possa ser combatida com o que possuímos de melhor: o Amor sem ressentimento, sem necessidade de posse, sem máscara de curativos de aparências. O amor em família está nas relações onde a intimidade pode ser revelada nas atitudes doces através da verdade.
Simone Engbrecht - psicanalista




[i] Sigmund Freud- pai da psicanálise formulou a teoria da pulsão de morte em 1920.
[ii] Referência à comunicação intrapsíquica.



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