Inspirados em Amós Oz
Uma
homenagem ao escritor extraordinário Amós Oz, que não silenciou hoje, pois deixou palavras em escritos e em ecos de discursos proferidos
que seguirão nos inspirando a pensar e criar novos caminhos. A partir de algumas, pretendemos não
calar. Escreveu o seguinte trecho em The Same Sea[i]: “Passadas
duas semanas, no quarto dela, lá em cima, na água-furtada, entre uma pancada de
chuva e a outra pancada de chuva, ele lhe pediu a mão. Não disse: seja minha
esposa. Mas pediu assim: se você se casar comigo, eu também me caso com você.”
Amós Oz - imagem Blog Literalmente |
Ele dizia[ii]
que não escrevia, em seus livros, mensagens políticas diretas, isso deixava
para os artigos. Nos livros, deixaria mensagens mais amplas que conselhos ou
propostas. Ele marcou o lugar necessário da alteridade, colocar-se no lugar do
outro. Um espaço diverso de uma superfície concreta: aquele que produz uma
observação sobre o mundo pela perspectiva do outro, sem necessitar justificar
ou concordar. Um pacifista que refletiu em muitas obras suas sobre a diferença
entre compromisso e culpa.
Seguimos
então apoiados em temas psicanalíticos, como o sentimento de culpa que pode
cegar, e a superficialidade presente, algumas vezes na cultura, na impossibilidade de casar sem indiferença. Casamento
é uma palavra que, muito antes de significar um contrato, possui uma origem
no sentido de casa, moradia. Casa é um lugar de proteção.
Cada um
possui a possibilidade de colocar-se no lugar do outro quando casa, ou seja, quando se permite
mergulhar nos valores defendidos por outra pessoa e observar o mundo por outras
janelas. Porém, é comum escutarmos pessoas afirmando que se colocam no lugar de
outros, porém percebemos que carregam junto as suas bagagens que soterram
qualquer possibilidade de iluminação. A ausência de comunicação e acordo fica evidente
quando o lugar do outro é visto a partir de seu lado de fora e concreto.
Alguém,
ao observar uma situação, pode: ‘no seu lugar, eu faria assim’, quer dizer: ‘na
sua localização o meu eu(dentro ainda da minha casa) tomaria tal atitude’. Isso
definitivamente, não é estar no lugar do outro na maneira de ‘casar’, proposta
por Oz. Onde alguém espera pelo outro, observa o interior da outra pessoa.
Colocar-se na mesma ‘casa’, no sentido que aqui pontuamos, compreende observar
como o outro se sente, o que deseja. Não para atender os desejos, mas para
estar junto.
Foto: Reproduação |
Compreendemos
que muitos, por sentimento inconsciente de culpa[iii],
escutam que mudar de ‘casa’ seja ameaçador e refugiam-se na superfície das
relações onde visualizam apenas as características de uma pessoa e não, os seus
valores. Quintana compôs uma definição que nos auxilia nesse momento: Amar é
mudar a alma de casa. Talvez corresponda a esse sentido. Uma pessoa
admirada por suas qualidades, como inteligente, atraente, divertida, dinâmica,
não é vista em sua singularidade a menos que alguém entre na intimidade de seus
valores, ou seja, de suas intenções e palavras. As janelas de outras casa podem ser semelhantes as da nossa, mas abrem para outro campo.
As
conversas estão nos pedidos, entre as pancadas de chuva, onde se discute, com o
objetivo não defender opiniões, mas de sacudi-las. Nos inspiramos no valor dado
as palavras que almejam estar em ‘casas’ onde podem sair de um lugar já conhecido.
Simone Engbrecht- psicanalista
[i] The Same Sea, livro de Amós Oz,
publicado em 1999.
[ii]
How to Cure a Fanatic, livro de Amós Oz, publicado em 2012.
[iii] Sentimento
inconsciente de culpa- conceito, trabalhado na obra freudiana a partir de 1920,
que corresponde na destrutividade encoberta, mas ativamente presente em
movimentos de mudança.