Ser sem esforço


         Há uma diferença muito discutida atualmente, em razão do consumo desenfreado: a entre o Ser e o Ter[i]. Pretendemos abordar aqui uma especificidade dessa diferença, na sua forma mais avançada: entre o ser e o parecer ter. Os preconceitos são formados por condenações movidas por um julgamento onde a hostilidade é a defensora de lógicas nascidas de um objetivo destrutivo. São conceitos prévios, onde não está presente a liberdade de pensamento.
        
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Em psicanálise, existe uma compreensão de que há um momento no desenvolvimento onde a criança necessita recuperar uma sensação de completude através de alguma coisa ou alguém, quando observa que o mundo não gira em torno de si. Essa é a ideia de falo. Na origem grega, falo é a representação figurada do órgão masculino. O símbolo desse órgão ficou como falo no psiquismo por indicar algo que alguns possuem. A ideia do Ter se alastra, porém, para várias questões concretas que possam marcar poder em uma cultura: dinheiro, carro, cargo, posição social... O amadurecimento psíquico consiste em ultrapassar essa posição fálica, organizando a subjetividade, suportando a incompletude, possibilitando um espaço para curiosidade em relação à realidade e às pessoas tais como são.
         A sociedade contemporânea tem se organizado de forma a desmentir às diferenças que constituem os seres, reforçando marcas  que não contemplem o ser e nem mesmo o ter: o que é valorizado é o parecer ter, um efêmero momento onde alguém se sente tendo valor por um atributo.
A maternidade, por exemplo, nessa perspectiva, acaba sendo para muitas mulheres que não superaram a etapa fálica, um momento onde o filho lhes torna plenas. Há um investimento no filho para que esse reponha o seu valor perdido.  Essa relação é perigosa, pois será repetida como matriz em outras: o filho, um dia tendo sido olhado como alguém que completa alguém, poderá buscar ser a ‘metade da laranja de alguém’, ou seja, se sentirá uma metade e não um ser apenas incompleto, como qualquer Ser. Já a mãe, não irá vivenciar o prazer da maternidade contemplado no crescimento e na saída dos filhos de casa, pois há um abismo entre Ter filhos e Ser mãe.
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As relações amorosas são aquelas onde há liberdade para o Ser existir entre as pessoas. Quando apenas uma pessoa, seja ela um companheiro, um filho, uma namorada, etc, apenas são utilizados como etiqueta de conquista,  o interesse e a curiosidade morrem no relacionamento, pois está aparentemente ‘tudo dominado’.
O mesmo ocorre na distinção entre um emprego e um ofício. Somente quem se sente Sendo tem prazer em servir ao outro através do que realiza, pois não está numa servidão escravagista para alcançar somente o poder de Ter.
Amadurecer significa superar os preconceitos relativos ao si mesmo: ser incompleto dá a liberdade de Ser alguém no mundo sem a ânsia de Parecer Ter algo que lhe dê valor ou ser o falo de alguém, pois sente um prazer em descobrir, des cobrir, ou seja, retirar a cobertura do que apenas parece observar à primeira vista a fim de continuar investigando à segunda vista, à terceira, e assim por diante: viver a vida, sem necessidade de plenitude, pois a vida só se completa na morte.
Simone Engbrecht - psicanalista   




[i] O conceito de Ser atravessa toda a Filosofia

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