Ser sem esforço
Há uma diferença muito discutida atualmente, em razão do consumo
desenfreado: a entre o Ser e o Ter[i].
Pretendemos abordar aqui uma especificidade dessa diferença, na sua forma mais
avançada: entre o ser e o parecer ter. Os preconceitos são
formados por condenações movidas por um julgamento onde a hostilidade é a
defensora de lógicas nascidas de um objetivo destrutivo. São conceitos prévios,
onde não está presente a liberdade de pensamento.
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A sociedade contemporânea tem se organizado de forma a
desmentir às diferenças que constituem os seres, reforçando marcas que não contemplem o ser e nem mesmo o ter: o
que é valorizado é o parecer ter, um efêmero momento onde alguém se sente tendo
valor por um atributo.
A
maternidade, por exemplo, nessa perspectiva, acaba sendo para muitas mulheres
que não superaram a etapa fálica, um momento onde o filho lhes torna plenas. Há
um investimento no filho para que esse reponha o seu valor perdido. Essa relação é perigosa, pois será repetida
como matriz em outras: o filho, um dia tendo sido olhado como alguém que
completa alguém, poderá buscar ser a ‘metade da laranja de alguém’, ou seja, se
sentirá uma metade e não um ser apenas incompleto, como qualquer Ser. Já a mãe, não irá vivenciar o
prazer da maternidade contemplado no crescimento e na saída dos filhos de casa,
pois há um abismo entre Ter filhos e
Ser mãe.
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As
relações amorosas são aquelas onde há liberdade para o Ser existir entre as pessoas. Quando apenas uma pessoa, seja ela um
companheiro, um filho, uma namorada, etc, apenas são utilizados como etiqueta
de conquista, o interesse e a
curiosidade morrem no relacionamento, pois está aparentemente ‘tudo dominado’.
O mesmo
ocorre na distinção entre um emprego e um ofício. Somente quem se sente Sendo tem prazer em servir ao outro
através do que realiza, pois não está numa servidão escravagista para alcançar
somente o poder de Ter.
Amadurecer
significa superar os preconceitos relativos ao si mesmo: ser incompleto dá a
liberdade de Ser alguém no mundo sem
a ânsia de Parecer Ter algo que lhe
dê valor ou ser o falo de alguém, pois sente um prazer em descobrir, des
cobrir, ou seja, retirar a cobertura do que apenas parece observar à primeira
vista a fim de continuar investigando à segunda vista, à terceira, e assim por
diante: viver a vida, sem necessidade de plenitude, pois a vida só se completa
na morte.
Simone Engbrecht - psicanalista