A maturidade do amor


        
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Há um poema de Drummond que menciona   que o ‘amor o amor é privilégio de maduros’[i]. Pretendemos refletir sobre o quanto amar faz amadurecer e não o quanto, apenas envelhecer, nos faria  automaticamente amar mais. Um ponto de vista sobre o quanto não são os mais velhos que amam, mas o quanto o amor é que faz alguns amadurecerem, sem somente apodrecerem a sua materialidade. Entregar-se ao outro requer uma prática em obter prazer em viver o presente entregue pela possibilidade em existir.
A carência de amor na atualidade não está no que as pessoas recebem da sociedade, mas acontece na falta de exercício de valorização do prazer de amar sem a necessidade em nada receber em troca. Esse tesouro precioso: o mapa que dá acesso a uma vida com sentido e não uma vida que busca um significado.
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         A morte está na repetição, na impossibilidade de mudança. A vida é geradora de novidades, para as quais algo de mortífero em nós sempre resiste e necessita ser reconhecido e ultrapassado através do desejo de viver um instante na sua preciosidade. Podemos dizer que não morremos ao deixarmos herdeiros: filhos, netos, bisnetos, ao nos ocuparmos com as novas gerações. Vivemos através do amor  que transmitimos aos outros, até mesmo a quem pode estar mais perto de morrer antes do que nós. A herança humana não passa pela lineariadade de gerações. Deixar por herança o que possuímos de melhor implica em realizarmos uma escolha: a quem dedicaremos o nosso amor.
         O amor amadurece quando desenvolve no humano a possibilidade de não necessitar do outro, mas em obter prazer com promover vida de quem ama. Um bebê ama a sua mãe por depender dela; já um ser maduro ama quando sente prazer em não necessitar de correspondência a partir do que oferece. Alguns podem associar essa ideia a um mandamento religioso, ou a um ideal romântico inatingível.  Porém, aqueles que encontraram  a liberdade ao desprender-se de uma prisão chamada futuro, podem deixar o seu melhor a quem amam no momento presente.
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         Sigmund Freud dedicou-se ao estudo do que fazia mulheres sofrerem de algo chamado Histeria e compreendeu que para todos, tanto homens quanto mulheres, quando a necessidade de receber um amor de maneira infantil, fazia deles seres prisioneiros e angustiados. Pois  estavam depositando nos outros o seu destino, ou seja, acreditando que estavam escolhendo a partir do quem receberiam o seu valor.
Todos os dias o sol nasce, mas a cada dia em que ocorre essa repetição, cabe um olhar diferente apoiado na experiência do dia anterior. Assim é a vida humana, destacada do que acontece por causas lógicas e viva pela complexidade da criatividade presente nos encontros de cada um com a sua existência. A terra fica fértil quando é arejada, quando é revolvida: assim é o nosso psiquismo. Quando o inesperado ingressa na solidez de um barro duro, o humano pode estar aberto a modificar preconceitos e doar o seu tempo a quem escolhe a partir de seus critérios e não por convenções. Uma pessoa pode amar alguém que não possui o mesmo sangue, por exemplo, e desprender-se de alguém que o possui. Amamos com a possibilidade de nos  identificarmos com a mesma maneira de estar no mundo e de abismar-se[ii] com ele.
O desprendimento talvez seja a maior dificuldade do amadurecimento do amor. Pois, observar que a vida não necessita de seres que necessitam de nós é a possibilidade do amor existir. Uma mãe que percebe que o seu bebê poderá viver prescindindo de si mesma, observa que o que dá a ele, outros poderão fazer. Porém, perceber que o prazer que possui em doar-se é seu a faz uma pessoa especial não apenas ao seu bebê, mas para o seu amadurecimento amoroso é a única maneira de tornar-se verdadeiramente Mãe ou Pai. Estranhamente, as mulheres  só se tornam mães quando os seus filhos crescem e não necessitam mais delas. Esse é o verdadeiro amadurecimento do amor.
O solo da vida é fértil quando é revolvido pelo desprendimento de amores infantis que necessitam de correspondência e de retribuição. O amor é livre quando pode não se ocupar do futuro por egoísmo ou maldade, mas por enriquecer o presente com a sua entrega sem retorno.
Simone Engbrecht-psicanalista




[i] Carlos Drummond de Andrade – O amor e seu tempo.
[ii] Fall in Love- Abismados em amor, livro de Donaldo Schuler.

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