Contemplar a juventude da alma


                                   Don’t let the old man in’ Toby Keith[i]
         Não deixe o velho entrar. Frase de Clint Eastwood que também nos inspira a refletir sobre o momento em que podemos perceber a juventude no interior de nossa alma. Também, pois ela tornou-se refrão de uma canção de Toby Keith que pode perceber o momento do nascimento de uma letra e deixou isso registrado. Perceber esses instantes, com pouca duração concreta, fertilizados por um encontro de jovens ageless[ii], os torna sobreviventes eternos em nossa lembrança.
        
Foto: Reprodução
Quando nascemos não possuímos psiquismo ainda capaz de  perceber o tempo, nem a morte. Não nos lembramos das palavras ditas; a nossa vida inicial fica registrada através de documentos e do que os outros contam de nós, e, principalmente,  daquilo que entrou na nossa alma sem dominarmos o ingresso. Nascemos para a percepção do tempo a cada vez que observamos a juventude nos alimentando, ou seja, quando reparamos que podemos escolher sobre quem nos tornamos e não deixamos o envelhecimento ser proprietário de nossa existência.
         Árvores no outono foram utilizadas por Goethe[iii] em vários poemas sobre o tempo. Elas tornam-se lindas quando se transformam em outra cor, não precisam mais da clorofila em um momento de mudança, passam a ficar coloridas, amarelas, vermelhas e marrons, perdem as folhas. É um tempo onde não se desperdiça o Oxigênio, uma estação, um período de passagem. Assim é envelhecer sem ‘deixar o velho entrar’, um espaço para observar que a renovação de projetos no interior da alma.
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         Alguns entendem um ‘projeto’ como algo desenhado para o futuro, mas ele não está lá; ao contrário, ele vive e floresce nas intenções movidas pela visão que possuímos no agora. Contemplar uma paisagem do outono não é o mesmo que acreditar que um tempo frio, que está por vir, é triste e morto.  Observar a juventude de quem possui dezoito anos pode parecer nostálgico para aqueles que resmungam sobre o ‘seu tempo’; se surpreender, porém, com a juventude de pessoas experientes acontece quando vislumbramos a sabedoria de ‘não deixar o velho entrar’.   
         O amor nos faz dizer NÃO ao envelhecimento que deseja entrar na alma, pois ele nos faz termos desejos no presente e não ilusões de futuro. Amar implica  encontrar com pessoas como elas realmente são e não como gostaríamos que elas fossem. Por isso o Amor nos liga a atemporalidade da nossa alma, aquela que possui motivos que movem atitudes presentes e não estratégias de futuro. Deixarmos o velho não entrar compreende observar o que é o ‘velho’ em nós e ‘saber deixar’ [iv] a rabugice, a teimosia, os preconceitos, irem embora. Envelhecer sem estar na ante sala da morte significa não estacionar em uma sala de espera, mas caminhar. 
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         Toby encanta a todos e inclusive Clint, pois captou que estar doente (como ele estava quando produziu a canção) pode ser um momento de arte e de muita produção, um momento de folhas amarelas e que não marcam a morte, mas uma sombra que faz parte da vida. Presenciar a juventude consiste em miramos o que persiste e insiste em nossas intenções. Amar é o verde que sobrevive às estações, segundo Goethe, dentro de cada ramo e em qualquer experiência ao longo dos tempos.

Simone Engbrecht - psicanalista 




[i] Canção de Toby Keith inspirada numa frase de Clint Eastwood.
[ii] Ageless- termo utilizado pela antropóloga Mirian Goldenberg em sua pesquisa, inspirada em Simone de Beauvoir, sobre as várias idades.
[iii] Johann Goethe- escritor alemão que viveu entre 1749 a 1832.
[iv] ‘Saber deixar’- termo utilizado por  Jacques Derrida – filósofo franco-magrebino que viveu entre 1930 e 2004 – e que implica numa aquisição de complexidade psíquica.

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