Humildade para investigar


         A curiosidade é inimiga da desconfiança. Como o termo  indica, alguém desconfiado busca uma segurança que comprove aquilo que imagina, pois não tem confiança na entrega para uma experiência que desacomode o que acredita que seja sólido. É tênue essa diferença na superfície dos comportamentos, porém a intenção de uma pesquisa faz toda a diferença, quando essa está alicerçada na curiosidade.
        
Foto: Reprodução
Cientistas pesquisam diante daquilo que lhes causa um sentimento muito estudado em psicanálise, das Unheimliche[i], traduzido por Inquietante, por algo existente entre o familiar e o estranho. Diante de uma angústia, algumas pessoas repetem padrões infantis a partir de um desejo de domínio e outras se entregam ao risco da descoberta daquilo que não possuem ainda como experiência adquirida.
         O ciúme é um sentimento que descontrola a destrutividade, pois a sua raiz representa um impulso de dominar o outro. Amar não é ser dono ou proprietário de alguém. Os sentimentos são propriedade de cada um. Entender que o outro é a razão de um sentimento torna raso o pensamento, e transforma uma pessoa dependente de acontecimentos.
         Pessoas que defendem ideias apenas para comprovar a sua hipótese cometem um crime passional contra o conhecimento, que poderiam obter se não se sentissem humilhadas quando se deparam com enigmas vitais que traem a sua arrogância, que funciona como uma capa protetora diante da falta de amor próprio.
         A sabedoria que alguns adquirem quando amadurecem é semelhante a dos pesquisadores. Ambos não envelhecem o seu desejo de entregar o seu tempo para a vida que os torna humilde diante de informações acumuladas ao longo dos anos. Uma pessoa centenária ocupada com o meio ambiente é semelhante a alguém que dedica o seu tempo a investigar um problema singular de alguém que não faz parte de suas relações imediatas.  
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         Para investigar é preciso doar. E a condição de possibilidade de doação é exclusiva daqueles que almejam a humildade da vida como ela é, desacomodando a cada segundo a memória que trazem na bagagem. Por incrível que pareça, quanto mais recheada é essa bagagem de experiências ressignificadas, mais leve ela se torna. O que pesa no que se traz na vida é um impulso a repetir o passado a fim de que se esteja preparado para tudo. Somente as vivências amorosas fazem com que alguém se desapegue desses pesos pesados e se sinta mais leve para o risco. A humildade está em reconhecer que não estamos preparados para nada. Se assim estivéssemos, estaríamos pré parados, ou seja, previamente mortos em vida.
         Sábios são aqueles que não falam do passado como sendo ‘o seu tempo,’ pois se sentem vivos no dia de hoje e conseguem se entregar ao novo e ao desconhecido com a curiosidade de viver as surpresas da novidade, com a humildade de não terem sido pré parados para nada, mas apenas tendo recebido a herança de sentir prazer em des cobrir.
Simone Engbrecht – psicanalista



[i] Das Unheimliche- livro escrito em 1919 por Sigmund Freud apresentando o tema do inquietante, a partir do ‘não familiar’ que remete também ao familiar,.

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