Relações desnecessárias
O amor está presente somente em relações desnecessárias. Assim,
nos inspiramos em Pessoa[i]:
“Navegar
é preciso, viver não é preciso”. Onde podemos tomá-la segundo uma
precisão da bússola dos navegadores ou conforme o que é necessário. O corpo
necessita de muito, mas a vida deseja viver sem dependência e sim, com amor.
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Nos
fundamentos dos estudos psicanalíticos, a fome está diferenciada do amor, alimentando a concepção de que a complexidade dos desejos
vai sendo espandida a partir da ultrapassagem de uma satisfação de uma
necessidade. Um bebê necessita de alguém que o ame sem necessitar dele. Ninguém nasce amando, porém
constrói a sua capacidade de amar quando percebe que não veio ao mundo porque
alguém depende dele, mas para ser um ser livre. Alguém recebe amor quando não
se tornou um apêndice, ou alguém com a finalidade de valorizar outro alguém. Quem alcança o amor consegue entregar-se sem necessitar do outro,
ou seja, quando se identifica com quem um dia lhe dedicou tempo por desejo e
não por necessidade de reconhecimento. O amor é desinteressado, sendo assim,
não é indiferente.
Relações
maduras são aquelas onde as pessoas se sentem incompletas, mas inteiras. Algo
estranho, mas interessante. O amor não completa, pois ingressa nos corações
mostrando como somos seres humanos e finitos. A instituição casamento surgiu de uma necessidade de
compartilhar bens, por isso, a palavra casa,
está inclusive na raiz da palavra. A contemporaneidade tem avançado no caminho
de possibilidade do Amor se fazer mais presente, porque marca um momento onde
as necessidades são, de um lado, vislumbradas como um consumo destrutivo e, de
outro, estar próximo de alguém pode estar ressignificado por questionamentos. A
liberdade para doar tempo e dedicar atenção para os outros abre vias para que o
Amor possa crescer e não ser sufocado por conveniências, aparências e
necessidades de reconhecimento.
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É claro
que estamos aqui marcando o devir de percursos amorosos, mas infelizmente
percebe-se na cultura atual as forças contrárias a isso: aquelas que
interpretam de maneira rasa a destrutividade, responsabilizando os acontecimentos
como causadores da ausência de amor à vida do outro. Marcamos aqui a diferença
entre necessidade e amor a fim de alicerçar uma reflexão sobre o que sufoca o
desenvolvimento do amor no interior de cada um: necessitar do outro como um
ente concreto. Preposições que marcam uma bússola: amar é desejar estar com alguém e não necessitar de alguém.
Simone Engbrecht - psicanalista
[i] No
livro O Amor não é surdo – Simone
Engbrecht, há um capítulo inspirado no poema de Fernando Pessoa- Navegar é preciso