Uma entrega impossível diante do Lago


Há muitas frases afirmando que o melhor presente que podemos entregar a alguém é o nosso tempo. Pelo raciocínio do valor relacionado à escassez, pode ser que sim. Temos um tempo finito de vida e dedicarmos algo que é o alvo de queixa ou a desculpa do momento: ‘a falta de tempo’, pode ser verdadeiramente precioso. Dedicamos, porém, esse texto a uma substância que dá recheio ao tempo e que, sem ela, o tempo dedicado pode ficar sem graça: a atenção.
Representação de Narciso pelo pintor italiano Caravaggio
Sem julgar, nem pra condenar e nem pra justificar,  compreendemos que as pessoas que não conseguem dedicar atenção aos outros são aquelas empobrecidas internamente. Vivemos numa sociedade do espetáculo[i], onde a aparência de felicidade, alegria ou riqueza podem encobrir uma miséria de possibilidade de energia interna. Enriquecer-se  com bens matérias pode  significar o nada se um alguém  não conseguir concentrar-se numa conversa e aprofundá-la.
         Dar atenção a alguém implica em investir libido[ii], um investimento que, diferente do financeiro, não traz lucro, nem segurança, pois não é estabelecido através de uma moeda de troca. Quem doa a sua atenção a alguém simplesmente está ligado na vida enquanto ela acontece, sem ocupar-se com a finitude do tempo, com a escassez de horas, ou mesmo com uma energia que irá perder como se tivesse que repor.
        
Imagem - blog Viva experiências
Presente provém do termo em latim praesentia que significa aquilo que está perto e ao alcance de alguém.
 O que está próximo de cada um, o que cada um possui como bem pode ser material ou subjetivo. Entregar atenção é impossível para aqueles que possuem a sua energia removida constantemente  por algo interno que suga qualquer raiz de desejo de contato. Esse mal encontrado nas patologias do narcisismo[iii], estudadas pelos psicanalistas a partir de  um olhar sobre aquilo que  Freud denominou de pulsão de morte. Após a guerra, ele formulou a ideia de que há algo destrutivo na herança de um de nós. Há a possibilidade de ligação dessa energia a partir do amor e dos vínculos, porém para alguns, essa força ganha expressão, mantendo-se desligada, na violência da impossibilidade de dar atenção à vida como ela é.
         Existem culturas onde o amadurecimento é valorizado pela aquisição de um bem chamado sabedoria. Aqui pontuamos que a riqueza em dar atenção à vida dos outros permite que cada indivíduo entre em contato direto com o seu presente, com aquilo que está perto, sem a ânsia de ser presenteado por alguém. Perceber que cada segundo em que estamos vivos nos traz descobertas a partir da atenção entregue aos outros indica que o presente está ao nosso alcance.
Simone Engbrecht – psicanalista




[i] A sociedade do espetáculo é um livro de Guy Debord, publicado em 1967.
[ii] Libido- conceito psicanalítico que indica energia psíquica que pode ser investida.
[iii] Narcisismo- termo em referência ao mito de Narciso, estudado por Freud a fim de nortear o amor que se tem pela imagem de si mesmo. Um amor que pode ser mortífero em sua continuidade, pois Narciso(no mito) se afoga por conta do mesmo.

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