Uma entrega impossível diante do Lago
Há muitas
frases afirmando que o melhor presente que podemos entregar a alguém é o nosso
tempo. Pelo raciocínio do valor relacionado à escassez, pode ser que sim. Temos
um tempo finito de vida e dedicarmos algo que é o alvo de queixa ou a desculpa
do momento: ‘a falta de tempo’, pode ser verdadeiramente precioso. Dedicamos, porém,
esse texto a uma substância que dá recheio ao tempo e que, sem ela, o tempo dedicado
pode ficar sem graça: a atenção.
Representação de Narciso pelo pintor italiano Caravaggio |
Sem
julgar, nem pra condenar e nem pra justificar, compreendemos que as pessoas que não conseguem
dedicar atenção aos outros são aquelas empobrecidas internamente. Vivemos numa
sociedade do espetáculo[i],
onde a aparência de felicidade, alegria ou riqueza podem encobrir uma miséria
de possibilidade de energia interna. Enriquecer-se com bens matérias pode significar o nada se um alguém não conseguir concentrar-se numa conversa e
aprofundá-la.
Dar atenção a alguém implica em investir libido[ii],
um investimento que, diferente do financeiro, não traz lucro, nem segurança,
pois não é estabelecido através de uma moeda de troca. Quem doa a sua atenção a
alguém simplesmente está ligado na vida enquanto ela acontece, sem ocupar-se
com a finitude do tempo, com a escassez de horas, ou mesmo com uma energia que
irá perder como se tivesse que repor.
Imagem - blog Viva experiências |
Existem
culturas onde o amadurecimento é valorizado pela aquisição de um bem chamado sabedoria.
Aqui pontuamos que a riqueza em dar atenção à vida dos outros permite que cada
indivíduo entre em contato direto com o seu presente, com aquilo que está
perto, sem a ânsia de ser presenteado por alguém. Perceber que cada segundo em
que estamos vivos nos traz descobertas a partir da atenção entregue aos outros
indica que o presente está ao nosso alcance.
Simone Engbrecht – psicanalista
[i] A
sociedade do espetáculo é um livro de Guy Debord, publicado em 1967.
[ii]
Libido- conceito psicanalítico que indica energia psíquica que pode ser
investida.
[iii]
Narcisismo- termo em referência ao mito de Narciso, estudado por Freud a fim de
nortear o amor que se tem pela imagem de si mesmo. Um amor que pode ser
mortífero em sua continuidade, pois Narciso(no mito) se afoga por conta do
mesmo.