Rituais e rotinas
É incrível, mas mesmo ainda vivendo plenamente no interior
de uma sociedade do espetáculo[i],
alguns rituais foram perdidos com a passagem do tempo. Se, por um lado, em algumas
cerimônias de casamentos, os rituais foram tão enaltecidos por terem sido
transformados em um show, por outro, algumas rotinas necessárias estão ausentes
nas relações contemporâneas. Talvez estas sejam duas faces de uma mesma moeda:
a conexão entre as pessoas é performática. Os rituais abdicaram de uma história
a serviço de um desvio de qualquer tentativa de
aprofundar uma banalidade.
Foto: Reprodução |
Foto: Reprodução |
Quando retornamos a um lugar conhecido, há uma alegria do
reencontro com algo ‘familiar’[iii]
que, ao mesmo tempo, nos envolve e nos desacomoda, pois tanto nos faz perceber
que somos os mesmos, como inquieta a partir do que observamos solitariamente na
vida de forma diferente. Esse é o lugar privilegiado dos amantes que se
encontram através de uma linguagem própria, infantil pelo seu conteúdo terno, e
adulta pelo olhar que alcança uma cumplicidade que cria uma sensação de estar
novamente acompanhado. Voltar pra casa com o desejo de contar sobre o que vimos
no mundo faz com que a rotina se torne um lugar de também encantamento com a
novidade.
Foto: Reprodução |
Não pretendemos aqui desqualificar o que o avanço da
tecnologia trouxe para a possibilidade de vida, nem mesmo observar que nas
relações amorosas o importante é variar ou retornar. O pretexto busca refletir
sobre a vida desperdiçada atrás de coreografias performáticas que perderam os
rituais de tradição. Ou seja, aqueles
que carregam um significado de herança necessária a um humano que se preze.
Estar junto de alguém apenas por um papel torna a vida um palco onde podemos
até ser protagonistas do espetáculo, mas não disperdicemos o lugar de autor de
nossa história.
Simone Engbrecht- psicanalista
[i]
A sociedade do espetáculo é um livro
de Guy Lebord publicado em 1967 e que trata do consumo.
[ii]
A compulsão a repetição como a expressão da pulsão de morte foi apresentada por
Sigmund Freud, após as observações sobre os efeitos da guerra, em 1920.
[iii]
Das Unheimlich- Freud em 1919 pesquisou a inquietação encontrada numa
familiaridade que causa um estranhamento.