Aroma de mudança
Avanços tecnológicos possibilitaram mudanças no
comportamento das pessoas, principalmente no que diz respeito a comunicação. O movimento de transporte do corpo concreto
acontece de maneira mais rápida e as informações são obtidas em tempo real. O
humano é transportado ao espaço e a virtualidade iniciou um caminho para uma
sensação de presença, mesmo em ausência. É interessante o termo tempo real utilizado pelo sistema de
informática e vela para contemplar uma regulagem de diferenças[i].
Modificamos a maneira como nos aproximamos de alguém e nos questionamos se estamos
mais perto ou mais longe. Não é por nada que a Teoria da Relatividade de
Einstein e os conceitos psicanalíticos foram criados em mesma época: um
momento, no início do século passado, em que foi aberta uma investigação sobre
a causalidade não simplista de nossa percepção.
Foto: Reprodução |
A
partir de 1920, Freud considerou a dualidade pulsional[ii]
e ampliou o estudo sobre a repetição. Há no humano uma tendência a conservação,
que tanto preserva a vida, quanto procura um estado anterior de quietude. Essa
dualidade não modificou: adquirimos maior possibilidade de uma vida aberta a
presença de um semelhante, mas segue dentro de cada um a tendência a considerar
o outro como o mesmo, igual e não semelhante, buscando afastar qualquer
diferença que inquiete.
Foto: Reprodução |
Talvez
o que precisamos considerar é que o acesso mais facilitado a estar próximo
tanto de uma informação quanto de pessoas criou novos caminhos para que esse
afastamento causado pelo abalo causado pela diferença seja realizado com outro
colorido. A inquietude e a conformação ao que se apresenta na vida fazem parte
do humano.
A
partir dessas aquisições tecnológicas onde tarefas são substituídas, mas
ofícios, não, nos perguntamos: poderemos passar a sentir o gosto e o cheiro
através da imagem? Por onde ingressa o ar que nos permite seguirmos vivos é
também por onde inspiramos aromas. Cada um com um significado. Cheirar, tocar, saborear poderão
transformar-se em inutilidades dispensadas pela pseudo evolução. Estamos
realmente presentes quando não estamos no mesmo espaço físico? Se pudermos não
tecer um juízo de valor sobre o ontem, o hoje e o amanhã, talvez possamos
observar com maior sensibilidade a cada novo amanhecer.
Ninguém
vê ou sente o mesmo em uma situação, em momento algum da hístória. O ponto de
mira de cada um é especial, construído por um tempo e um espaço singular. O desafio
está em furarmos a bolha que imagina que o fundamental é que todos possam
vivenciar algo da mesma forma e ultrapassarmos uma rota de fuga do que é
essencial ao humano: a singularidade de sua experiência não individualista.
A vida
se faz por uma troca química através do ar que ingressa no interior de nosso
corpo. Enquanto isso ocorre, sim, pensamos, criamos, imaginamos e vislumbramos
um futuro. E também, enquanto isso, acontecem muitos outros movimentos
vitais. Prestemos mas atenção ao que não
é apenas virtual, mas experimentado com os detalhes de uma existência. Respirar
cheirando, escutar ouvindo, sentir o calor
de quem está no mesmo espaço que
nós nos conecta com a semelhança de vidas que vieram antes da nossa e também
com as que virão.
Simone Engbrecht- psicanalista
[i]
Tempo real- na ciência da computação, esse termo é usado para referir-se a um
tempo de execução que independe da carga do sistema- na vela, serve para contemplar competições entre barcos de tipo
diferente, onde o jauge é calculado
pelo arquiteto náutico e um tempo compensado conforme uma fórmula que
compreende o tempo real e a afetação pelas diferenças.
[ii]
Dualidade pulsional- teoria das pulsões foi sendo complexizada ao longo da obra
freudiana, pulsão é uma carga energética que tende o organismo a um alvo. Freud
diferenciou essa pressão de instinto, presente no animal.