Medo da morte ou da morte em vida


         Em momentos onde o excesso de quase tudo se faz presente, menos da paciência, retomaremos uma temática que se tornou alvo de muito estudo: a ansiedade. Vivemos em um tempo em que a economia comanda o raciocínio, e aqui não estamos nos referindo às finanças, mas ao pensamento extremamente vinculado a quantidades e não a qualidades diferentes de representação[i].  
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Em 1920, Sigmund Freud diferenciou três sensações:  o medo e a angústia e o pânico.  O medo refere-se a um objeto específico, a uma marca já realizada no passado, a angústia está relacionada a um objeto futuro e o susto a um avassalador estado de atordoamento repentino provocado por uma impossibilidade de organização psíquica no tempo e no espaço.
Uma reflexão sobre proteção estranhamente nos leva a uma questão: quem tem medo de morrer é cuidadoso com a sua vida? Algumas pessoas não realizam exames de saúde por medo de descobrir uma doença. Acreditam  que aquilo que os olhos não vêem o coração não sente. Porém, infelizmente essa é apenas uma ilusão.
Ninguém possui memória de sua morte, somente de perdas na sua vida. Com o objetivo de defender-se da lembrança de prejuízos vividos, há várias maneiras de negação de  fragilidade. Algumas pessoas utilizam ‘plaquinhas de cuidado: frágil’. Talvez com o objetivo de que outro, além de si mesmo, o proteja dos riscos envolvidos em viver. Outras pessoas, negam a fragilidade de seu corpo. Há outros ainda que se correm de qualquer relação amorosa, escondendo-se atrás de relações necessárias e sem revisão de escolha.[ii] Não é raro que o medo de viver fique disfarçado através do pânico da morte. Acontece que para viver, estamos sempre morrendo um pouquinho, matando um pouco da perigosa arrogância.
O medo de morrer pode fazer com que a negação da fragilidade seja desfeita quando a falsa proteção da arrogância cede espaço para a humildade em viver.[iii]A angústia pode ser um alarme efetivo para observação e consciência dos riscos. Um adulto conhece mais os perigos do que uma criança. Só que alguns, não. Adultos, onde a ansiedade não toca como um sinal de alerta, se vê inundado pelo pânico diante de pequenas perdas. Envelhecer, nessas situações, torna-se extremamente complicado.
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Quando não se tem medo de viver, cada minuto da vida pode ser vislumbrado com enorme diferença da sensação de antessala diante da porta da morte. O desejo de enraizar mais a existência utiliza a humildade da curiosidade traduzida por perguntas singulares sobre os motivos do próprio medo. O presente não é apenas a repetição de um passado onde já podemos nos sentir seguros pela memória adquirida; ele é o ganho por respirarmos e nos fazermos presentes dentro de nosso corpo.
Como a realidade material só ingressa em nossas observações através da realidade psíquica, os questionamentos sobre a nossa arrogância podem nos tornar alguém mais perto de inseguranças necessárias para proteger a vida, sem precisarmos nos defender dela. Quem envelhece, envelhece porque vive. Quem amadurece, vive porque suporta, além da responsabilidade de um sobrevivente, a fragilidade humana sem caixotes de isolamento.
Simone Engbrecht- psicanalista




[i] Representação- termo da filosofia e da psicologia utilizado para designar aquilo que reproduz uma percepção anterior marcada por um ato de pensamento, consciente ou inconsciente.
[ii] A fragilidade do homem diante da natureza, do corpo e das relações foi tema tratado em O futuro de uma ilusão, livro de Sigmund Freud de 1927.
[iii] A diferença entre humildade e humilhação foi trabalhada no texto Vingança é um prato que se come frio, texto escrito nesse blog em 04/11/18.

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