Afeto Virtual


O termo virtual vem do latim medieval e seu radical, virtus, está relacionado à virtude. Virtual, enquanto adjetivo, possui como contraponto o real e material. Uma rápida reflexão sobre o tema já nos conduz aos efeitos atuais das descobertas tecnológicas no último século. Existe uma crítica e um apego à materialidade proposta pela sociedade de consumo e, ao mesmo tempo, nessa concretude do consumo, estamos diante de imagens virtuais.
Imagem: Blog Glaiso Pereira
Gastamos menos tempo na comunicação com alguém distante, na pesquisa sobre algum dado, no registro de uma cena, e, inquietos com a falta do tempo para o encontro, também com a desconfiança do que ouvimos ou vemos. Não é a virtualidade que produz fake news, nem a virtualidade que nos apressou, nem mesmo é ela a responsável pela carência de paciência com as frustrações; mas a destrutividade presente no humano.
Sigmund Freud formulou um conceito chamado reação terapêutica negativa para compreender a resistência muda envolvida nos processos de melhora de um paciente. Há um sentimento inconsciente de culpa que suga algumas pessoas para uma dívida e um castigo, sem que elas tenham consciência disso. Em correspondência com Einstein, ele reforçou a sua teoria de que os vínculos amorosos são o antídoto capaz de regular o mal dentro de cada um.
Foto: Reprodução
Inspirados nesses dois recortes da teoria psicanalítica, nos questionamos sobre as possibilidades criadas pelo avanço tecnológico, para que todos tenham acesso ao contato uns com os outros, conviver simultaneamente com o isolamento afetivo mais evidente na relação utilitária imposta pela distância da indiferença[i]. A virtualidade diminui o tempo necessário para que o espaço seja conquistado, ao passo que ninguém mais consegue escutar ou ver os outros.
A imagem virtual possibilita percepções e sensações. Lembremos, no entanto, que os sentimentos continuam sendo produzidos pela realidade psíquica cultivada no nosso interior. Quanto mais nos entregamos a complexidade da humildade de um aprendiz diante do novo, mais encontros e menos desencontros. Menos humilhados seremos pela violência da falta de humanidade. O afeto ainda não é virtual, precisamos de nossa existência para sentir.
Simone Engbrecht - psicanalista


[i] Recomendamos o livro Vivência de Indiferença: do trauma ao ato-dor de Mônica Medeiros Kother Macedo e Eurema Gallo de Moraes.

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