Entre pedir e dar desculpas


         Pedimos desculpas a alguém quando queremos marcar que uma atitude nossa não foi movida por uma intenção consciente. Darmos desculpas a nós mesmos implica em retirarmos a responsabilidade por investigar com profundidade qual é mesmo o argumento para uma sensação.
        
Fonte: Nasa
Sigmund Freud iniciou as descobertas sobre psicanálise a partir do que chamou ‘não acredito mais na minha neurótica’[i] e abriu espaço para a investigação do que havia além do que alguém considerava ser a fonte de um mal estar. Vivemos hoje em um momento na cultura onde há tanta desconfiança em relação à realidade que é comum que as pessoas se refugiem, com muita pressa, na primeira versão que encontram sobre os motivos de qualquer desconforto. Geralmente, um disfarce que as paralisa.
         Hoje a fim de nos situarmos no espaço, obedecemos à indicação do GPS. Estar perdido pode desesperar quando há pressa em ‘se achar’. A fim de que alguém encontre um endereço, há de ter paciência para, primeiramente, se situar e, somente então, mover-se com direção, deixando de andar em círculos. Não adianta nada, literalmente em relação ao relógio, explicarmos quem somos através de um acontecimento passado.  Essa é uma visão equivocada que muitos possuem da psicanálise. Não acreditar mais nas desculpas dadas pressupõe notar que essas foram caminhos tomados em função de uma fragilidade. Feridas abertas não suportam qualquer contato, pois parece que esse é que machuca. O problema não está nas desculpas, mas o que acontece no interior.
Foto: Reprodução
Qualquer momento da vida pode ser belo quando não é confundido com uma doença. Deixarmos de chamar sintomas da menopausa, para observarmos sinais de uma mudança, deixarmos de considerar o envelhecimento como uma invalidez ou deixarmos de considerar adolescentes como pessoas deprimidos, corresponde ao movimento necessário para percebermos a singularidade de cada um diante de cada acontecimento e ingressarmos numa reflexão.
Encontrar a essência da vida compreende abrirmos mão tanto das desculpas e das culpas. As culpas são muitas vezes desculpas, isto é, disfarces para nossa ambição de onipotência. Descobrirmos que temos desejos infantis que foram adiados resulta em percebermos a sua anacronia, descobrirmos que possuímos desejos contraditórios envolve a nossa liberdade em escolher, descobrirmos que dispomos apenas da nossa vida e não controlamos e nem somos responsáveis pelo que cada outro ser faz com as suas insatisfações acarreta no nosso limite.
A observação de nossas limitações é libertadora, principalmente quando deixamos de nos perceber como vítimas de uma imobilidade provocada pelas culpas e pelas desculpas. Acreditar na nossa força diante das mudanças que a vida propõe compreende em nos apossarmos de nossos desejos de modificação. Afinal, o homem não teria ido à lua se não tivesse podido perceber a força de sua pequenez. 
Simone Engbrecht- psicanalista



[i] ‘Não acredito mais na minha neurótica’  constitui um trecho da correspondência entre Freud e Fliess em 1897, quando Freud observou a fantasia na histeria.

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