É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã[i]


Há momentos na vida onde possuímos metas e objetivos bem definidos e possuímos consciência do que pretendemos atingir. São aqueles em que traçamos uma estratégia nas ações. O tempo de quilômetros rodados traz como resultado não movimentarmos a vida em função desses momentos e, muito menos, confundi-la com eles. Isso não acontece, porque já conquistamos o que pretendíamos, ou nos decepcionamos muito, ou pior, porque percebemos que não temos mais tempo na vida. Não. A maturidade faz com que abdiquemos do lugar de jogadores, para sentirmos um prazer em estarmos vivos.
        
Foto: Reprodução
 
A simplicidade está em viver com coerência em relação ao nosso lugar e ao nosso presente, sem um propósito de ganho secundário com qualquer relação. A amizade que recheia  todas as relações amorosas, que não foram fruto de conquista, possuem essa característica. São relações que fluem sem cobranças, de maneira fácil, sem necessidade de GPS.
         As conquistas fazem parte das batalhas e envolvem um desejo de possuir ou dominar algo ou alguém. A necessidade de aplauso talvez seja o que melhor define os limites entre uma conquista e uma amizade. A ansiedade no desejo de reconhecimento abafa mais o amor do que a agressividade presente nele. A raiva e as frustrações fazem parte da vida, porém, quando para superá-las as relações acabam em permuta, é bem evidente que transformam-se em dívidas.
         A carência faz com que pessoas sejam desejadas não como companhia, mas como platéia, a fim de sustentarem um reconhecimento que procura, de maneira estéril,  suprir qualquer frustração. Os contatos que contemplam essa finalidade extra  acabam não favorecendo encontros. Quando encontramos amigos, perdemos a hora, a conversa é solta sem ser superficial, porque não possui nenhum preço.
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         Amar é verbo se que se conjuga no presente. Uma declaração com autoria. Quando estiver no passado, questionamos se a amizade realmente estava no seu interior, se estiver no futuro, apenas corresponde a uma promessa.  Por isso, as amizades representam a pureza nos laços com os pais, com os parceiros, com os irmãos, com os filhos, ou seja, quando essas relações não acontecem por conveniência ou carência, mas por um prazer em estar nesse mundo. Na poesia de Renato Russo há um conselho: ‘É preciso amar as pessoas, como se não houvesse amanhã.’ Perceber que amor não é causa nem  consequência de nada, não nos torna nem inconseqüentes nem estrategistas, mas vivos.  Mais emoção e menos aplauso. Mais vida e menos representação dela.
        Simone Engbrecht - psicanalista


[i] Trecho da letra da canção Pais e Filhos composta em 1989 por Renato Russo.

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