Gosto em Viver

                                            “Quem sabe degustar, nunca mais bebe um vinho, mas sim, experimenta os seus segredos.” Salvador Dali
         Percebemos hoje uma facilidade num formato de raciocínio que discute gostos. Porém, como diz o ditado: gosto não se discute. Por que não se discute? Porque gosto, opinião pessoal, é diferente de um pensamento com argumento científico. Infelizmente hoje a crença e as aquisições intelectuais estão confusas enquanto diferenças conceituais em nosso tempo.
         Degustar a vida consiste em experimentá-la através de uma vivência própria, construída e elevada com tijolos subjetivos. Cada um possui uma trajetória histórica singular, sem uma necessidade de torná-la genérica. Somente é possível entender o segredo de uma  existência, quando a intimidade mediante uma percepção for tornada propriedade.
         Mais do que revolucionar o tempo com a criação de relógios que amolecem em uma imagem, a Psicanálise interrogou o humano sobre a sua sexualidade, compreendida muito além do sexo que visa à reprodução da espécie através do tempo de um corpo que envelhece. A sexualidade é um conceito psicanalítico que descolou o humano da vida animal. Não vivemos de gostos, mas de algo bem mais complexo.
Salvador Dali - site Nosso Vinho
         Degustar faz parte da sexualidade: sentir, refletir, pensar, viajar, transcender o concreto. O humano possui a possibilidade de descobrir segredos, porque investiga um momento em sua essência. Sigmund Freud, após a primeira guerra, escreveu sobre o  que existe além do princípio do prazer: uma compulsão à repetição, como uma das manifestações da pulsão de morte[i] é o que repete em busca apenas de um alívio. Diferenciou, portanto, o prazer de um alívio de angústia.
         Freud afastou-se da Medicina a fim de construir a psicanálise, por entender que a sugestão, no âmbito psíquico, infantilizava os pacientes em relação à vida. Na medicina, diante do corpo, há uma fragilidade na qual a sugestão torna-se necessária. Porém, na vida subjetiva, a autonomia diante das sensações, quando não acontece, faz com que alguém sofra de uma desproteção imatura. Portanto, o objeto de estudo da psicanálise é o Inconsciente, o que há pra ser desbravado dentro de cada um.
         Tanto algumas pessoas que sofrem, quanto alguns profissionais que não possuem o gosto pela psicanálise, ainda procuram o alívio da dor através de um conselho que enxerga somente a manifestação de um sintoma como a resolução de um problema. Porém, escutando também a frase de Dali, compreendemos que nossos segredos estão revelados quando experimentamos a vida, inclusive e especialmente, quando um psicanalista escuta o que há de singular  e subjetivo em nossa vida, sem pressa, degustando os segredos.
Foto: Reprodução
         Quando um profissional nos compara a outros e a grupos, estará ele no campo da Psiquiatria, Psicologia, Pedagogia ou mesmo outros. Não há equívoco, queremos apenas demarcar que a Psicanálise investiga o que possuímos de entraves internos que nos deixam sentir sempre os mesmos sabores, sem nos libertamos para degustarmos a vida como ela é. O vinho e a vida revelados e desvelados em seus segredos. Escutar as notas inconscientes podem fazer com que degustemos a nossa existência e nos apropriemos de nossa historicidade de maneira mais adulta e proprietária também do que é desagradável.
         Viver é degustar lentamente e sem pressa os gostos da vida, os segredos são revelados sem uma necessidade de julgamento ou condenação. A sexualidade pode ser revelada também mediante a curiosidade para com o que a vida possui a revelar no próximo segundo e não em uma performance de algo construído a priori. VIVER. Quem vive a vida com propriedade, nunca mais vive por viver. 
Simone Engbrecht - psicanalista




[i] Pulsão de morte- conceito psicanalítico que compreende uma das tendências humanas a retornar ao estado anterior de coisas, ou seja, ao Nirvana.

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