O tempo não pára


         O tempo não pára. Quando sentimos que a velocidade de sua passagem se acelera, pode ser o alarme necessário para mudamos a nossa maneira de marcá-lo. A diferença entre um relógio e um calendário está na repetição do movimento. Sigmund Freud, em 1915, escreveu um texto curto[i] sobre uma conversa, com dois amigos, estabelecida a partir de uma caminhada num dia de verão. Ele posicionou que o valor da transitoriedade está no valor escassez do tempo e compreendeu que, por outro lado, a resistência a fazer luto pelo que é perdido pode tornar qualquer momento presente efêmero.
        
Calendário Egípcio : Foto Reproduação
Os ponteiros do relógio retornam ao mesmo lugar, porém a data no calendário, não. Os últimos dias de um ano podem parecer dias comuns ou um dia especial, assim como qualquer momento que percebermos que não retorna. O que não é apenas descartável,  exatamente por isso, tem o seu valor.
         O desejo pela imortalidade é como a inveja pela vida dos outros. Ao não considerarmos os limites, perderemos a identidade de nossa vida como ela se faz: única como cada momento do calendário. Desejar a vida dos outros deixa a própria sem a ‘propriedade’ que possui: ser intransferível. Podemos ter uma ideia de repetição pensando apenas naquilo que pode durar mais que a existência de um amigo, por exemplo. Os bens materiais, um diamante, obras,  podem ter seu valor pela sua raridade e durabilidade de existência na natureza, porém a nossa vida, diante de relações enraizadas nas profundezas do amor, é rara e valorosa quando observamos que cada instante acompanhados de entes queridos é único, sem retorno e repetição.
         Acreditarmos na nossa mortalidade... escrevo ‘acreditamos’, pois não vivenciamos a nossa própria morte ainda, ela nos é, portanto,  desconhecida. Então, acreditarmos em nossa mortalidade implica em não tornarmos a nossa vida efêmera e termos a nítida noção de diferença entre ter paciência e adiar.
Relógio Egípcio: Foto Reprodução
         Paciência é necessária para sobrevivermos a nossa própria raiva diante de um limite. O tempo se encarrega, através do luto de que os sentimentos destrutivos se transformem. Paciência de tartarugas. Adiar as nossas relações amorosas, como disse Freud no texto acima, pode acontecer a fim de tentarmos eliminar a ideia de nossa mortalidade. Deixamos para depois a coragem de amar, por medo de perder. Que não deixemos de estar em nosso tempo presente, o presente que recebemos e que não retorna.
         O tempo não pára. Tornemos ele mais lento vivendo com paciência e não paralisados em saudade por momentos apenas adiados.
Simone Engbrecht- psicanalista



[i] Sobre a Transitoriedade é um ensaio escrito por Sigmund Freud em novembro de 1915 a convite da Sociedade Goethe de Berlim, lançado em uma volume comemorativo chamado O país de Goethe que reuniu vários autores e artistas. Uns  meses antes, Freud tinha escrito Luto e Melancolia, onde apresentou a sua teoria sobre luto.

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