‘Meu sonho é ser imortal e morrer logo depois”


 “Meu sonho é ser imortal e morrer logo depois” frase do filme de Jean Luc Godard, Acossados, proferida pelo personagem de Jean Pierre Melville

         A imortalidade...nem é considerada um desejo em psicanálise, pois a mortalidade nem está representada em nosso Inconsciente. Ideia muito complexa trazida por Sigmund Freud em 2019 no texto Das Unheimliche[i]. Não possuímos experiência de nossa própria morte, somente de perdas ou de ‘quase’ morte. O que é ‘quase’?, ainda não aconteceu.
Jean- Paul Belmondo em cena do filme de Jean-Luc Godard .
Foto Reprodução
Só podemos acreditar na mortalidade ou na imortalidade, sem ver pra crer. Vivenciamos a perda e a morte dos outros, mas não a própria. A imortalidade só poderemos ver para acreditar se ela ocorrer de fato.  Real mesmo e, em gerúndio, temos apenas a vida. Crenças são os pensamentos que produzimos com argumentos que não fazem parte de nossa memória criada a partir de experiências vivenciadas. Perdemos entes queridos, a nossa juventude, uma condição anterior de existência, mas nada ainda pode gravar em nós uma experiência de que deixamos de fato a nossa vida, enquanto ainda vivemos. Por isso, Freud formulou que no Inconsciente, não trazemos representação de morte, pois a representação é o resultado de alguma coisa que esteve um dia e, por isso, mesmo, desejamos ou nos afastamos. A morte nunca está de fato.
Jean-Luc Godard.
Foto: site C7nema
Pessoas que amamos morrem, mas possuímos  apenas uma vivencia de sua falta, de sua presença que desejamos retomar. A imaginação é livre e pode recobrir qualquer ausência, mas só acontece a partir de vivências complexas. Alguém pode ser chamado de Imortal a partir de suas obras. Essas, sim são imortalizadas quando sobrevivem ao seu autor. Por isso, a imortalidade nem é um desejo[ii], pois nunca deixa de existir enquanto sensação, só começa a ser questionada a partir de nosso desejo de nos identificarmos com humanos. Nos acreditarmos seres falíveis e comuns. Se outros morreram e são humanos, irei morrer também. Mas o que torna a ideia morte uma fatalidade do destino é a ideia de semelhança, e a presença de um desejo de viver.
Meu sonho é ser imortal e morrer logo depois. Por isso, e por tantas outras interpretações, essa frase é genial. Vislumbramos o desejo de viver e não apenas viver por viver quando nos consideramos seres mortais. Quando queremos nos assemelhar aos outros para não para deixar essa vida, mas para vivermos com uma crença diferente mais avançada do que a da nossa imortalidade.    Bem estranho, bem unheimliche, a inquietação que possuímos quando nos percebemos desconhecer o futuro. Isso nos torna mais senhores do presente, daquele presente que a vida nos dá, o desejo de viver, o segundo presente. Desejar ser imortal já compreende a vontade de viver, isso é muito diferente de nos acreditarmos imortais, como se a nossa fragilidade ou as perdas não existissem ou nos inquietassem. Morrer depois de desejar estar vivo é bem diferente de viver com crença na imortalidade deixando pra depois a vida de agora. Viver como se fossemos imortais nos torna apenas fantasmas. Sonhar com a imortalidade implica em desejarmos viver mais.  

Simone Engbrecht- psicanalista




[i] Das Unheimliche- obra de Sigmund Freud sobre a estética, um sentimento que contempla a qualidade de infamiiliaridade, do inovador, muito mais profundo do que uma simples novidade.
[ii] Desejo, em Psicanálise, a partir da Teoria dos Sonhos, é o movimento que ocorre a partir de uma ausência posterior a uma presença de algo.

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