O humor é o bem que a maturidade constrói


A vida implica em não morrermos de véspera, ou seja, em construirmos um aparelho mental capaz de possuir uma sensação de prazer diferenciada de um alívio como uma mera descarga de tensão. Nos construímos através dos desafios transformadores diante das inquietações inovadoras. Desafios não engendrados por competição, mas por superação do passado, ou seja, por pequenos lutos.
        
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É comum algumas pessoas acreditarem que conseguem superar o passado, se vingando de frustrações experimentadas na passividade, sem escolha. Foi exatamente nesse ponto que a psicanálise abriu uma nova possibilidade. Sigmund Freud observou que não eram os acontecimentos que simplesmente provocavam um sofrimento. Mas a complexidade com a qual cada pessoa toma a realidade material à sua frente e pode torná-la uma sofredora ou uma pessoa madura. A maturidade emocional não é algo adquirido de maneira simples, apenas pela passagem do tempo, mas um tesouro encontrado através de muitos mapas.  
         Há dois caminhos, ambos imaturos, que consistem nos dois lados de uma mesma moeda: o primeiro, acreditar que tudo faz parte de sua própria responsabilidade, recriminando-se pelas frustrações e apostando que um comportamento diferente trará o resultado almejado; o segundo, a pessoa acreditar que é vítima de alguém ou algum acontecimento e que a sua felicidade depende de uma mudança externa. Dois trajetos nascidos num ambiente de fracasso: a certeza de que tudo se repete e basta aprender uma estratégia para mudar o mundo.
         Em 1914, Freud apresentou a forma como entendia a constituição do Eu, a partir de vários critérios com finalidade de marcar diferenças. Enquanto os desprazeres não são sustentados no interior de um ser, qualquer frustração é percebida como pertencendo ao exterior. É aí que mora o perigo, pois quando uma pessoa não se apropria de uma dor, sem culpar-se por ela (isso bem entendido, pois senão seria apenas o outro lado da mesma moeda) não consegue dar um destino para uma sensação sua. Foi somente então, que o pai da psicanálise, vislumbrou o terceiro caminho, feito através da vida ou pela análise: o amadurecimento de uma via que compreende a liberdade de escolha a partir do luto daquilo que não acontecerá mais. Depois de um ponto final, pode vir uma nova frase na história.
         Algo externo pode provocar algo dentro de cada um, mas não interessa olhar apenas para o desencadeante da dor. Pois a causa de uma sensação é bem mais profunda e um pensamento simplista pode confundir. Alguém me provocou raiva, sou eu o dono desse sentimento. Dizer que é a pessoa que o provocou que precisa mudar, ou ser julgada por isso, serão apenas  parte dos caminhos apontados acima que levam a um único lugar: uma vida sem dono. A crença de que a raiva irá passar por descarga na vingança ou pelo sacrifício pessoal é o alimento mais forte da crueldade. O acontecimento que provocou a raiva já aconteceu, fazer luto dele, significa perceber que ele, o fato que ficou para trás,  não será modificado. A vida anda para frente.
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         Freud em conversa com Einstein em 1932, explanou que o amor poderia inocular o ódio. Recentemente, lendo autor contemporêneo Amós Oz, resgatamos outro tema também estudado por Freud, o humor. Ele nos auxilia a vencer a crueldade, por nos tornar humildes sem nos sentirmos humilhados diante de qualquer dor.
 Cada um é responsável pelas sensações que carrega. Torná-las justificativas dos atos, é um sinal de que  não se mostrou ‘quem é dono de quem’. Apropriar-se dos sentimentos significa ser livre para dar um destino a eles e não para ser comandado pelos sentimentos que alimenta. Esse é o papel do luto, conhecer que o que nos provoca raiva ou tristeza não adianta nada para sabermos o que pensamos e o que iremos realizar com o que sentimos; algo bem mais complicado. Podemos estar tristes por termos perdido alguém, mas como dominaremos esse sentimento é que importa. O amor e o humor são caminhos que somente a maturidade constrói. Eles abrem espaço para o prazer de deixar.
Simone Engbrecht- psicanalista

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