O humor é o bem que a maturidade constrói
A vida
implica em não morrermos de véspera, ou seja, em construirmos um aparelho
mental capaz de possuir uma sensação de prazer diferenciada de um alívio como uma
mera descarga de tensão. Nos construímos através dos desafios transformadores
diante das inquietações inovadoras. Desafios não engendrados por competição, mas por superação do passado, ou
seja, por pequenos lutos.
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Há dois caminhos, ambos imaturos, que consistem nos dois
lados de uma mesma moeda: o primeiro, acreditar que tudo faz parte de sua
própria responsabilidade, recriminando-se pelas frustrações e apostando que um
comportamento diferente trará o resultado almejado; o segundo, a pessoa
acreditar que é vítima de alguém ou algum acontecimento e que a sua felicidade
depende de uma mudança externa. Dois trajetos nascidos num ambiente de
fracasso: a certeza de que tudo se repete e basta aprender uma estratégia para
mudar o mundo.
Em 1914, Freud apresentou a forma como entendia a
constituição do Eu, a partir de vários critérios com finalidade de marcar
diferenças. Enquanto os desprazeres não são sustentados no interior de um ser,
qualquer frustração é percebida como pertencendo ao exterior. É aí que mora o
perigo, pois quando uma pessoa não se apropria de uma dor, sem culpar-se por
ela (isso bem entendido, pois senão seria apenas o outro lado da mesma moeda)
não consegue dar um destino para uma sensação sua. Foi somente então, que o pai
da psicanálise, vislumbrou o terceiro caminho, feito através da vida ou pela
análise: o amadurecimento de uma via que compreende a liberdade de escolha a
partir do luto daquilo que não acontecerá mais. Depois de um ponto final, pode vir uma nova frase na história.
Algo externo pode provocar algo dentro de cada um, mas não
interessa olhar apenas para o desencadeante da dor. Pois a causa de uma
sensação é bem mais profunda e um pensamento simplista pode confundir. Alguém
me provocou raiva, sou eu o dono desse sentimento. Dizer que é a pessoa que o
provocou que precisa mudar, ou ser julgada por isso, serão apenas parte dos caminhos apontados acima que levam a
um único lugar: uma vida sem dono. A
crença de que a raiva irá passar por descarga na vingança ou pelo sacrifício
pessoal é o alimento mais forte da crueldade. O acontecimento que provocou a
raiva já aconteceu, fazer luto dele, significa perceber que ele, o fato que ficou
para trás, não será modificado. A vida
anda para frente.
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Freud em conversa com Einstein em 1932, explanou que o amor
poderia inocular o ódio. Recentemente, lendo autor contemporêneo Amós Oz,
resgatamos outro tema também estudado por Freud, o humor. Ele nos auxilia a
vencer a crueldade, por nos tornar humildes sem nos sentirmos humilhados diante
de qualquer dor.
Cada um é responsável pelas sensações que
carrega. Torná-las justificativas dos atos, é um sinal de que não se mostrou ‘quem é dono de quem’.
Apropriar-se dos sentimentos significa ser livre para dar um destino a eles e
não para ser comandado pelos sentimentos que alimenta. Esse é o papel do luto,
conhecer que o que nos provoca raiva ou tristeza não adianta nada para sabermos
o que pensamos e o que iremos realizar com o que sentimos; algo bem mais
complicado. Podemos estar tristes por termos perdido alguém, mas como
dominaremos esse sentimento é que importa. O amor e o humor são caminhos que
somente a maturidade constrói. Eles abrem espaço para o prazer de deixar.
Simone
Engbrecht-
psicanalista