A Primeira Pessoa do Plural
Nesse tempo, a possibilidade de
utilização do pronome Nós necessita ser considerada, pois
paradoxalmente, persiste uma polarização no pensamento. Todos somos o alvo de
uma guerra travada contra o invisível e há uma resistência grande ao Nós.
Portanto, a reflexão sobre o Eu e o Eles em psicanálise
parece prudente.
Primeira Guerra Mundial - site Dom Total |
Imagem: site Mundo Educação |
Mais adiante, em sua obra, Freud construiu o conceito de narcisismo das pequenas diferenças[ii]
dando abertura a ideia de um nós que pode ainda encobrir o velho
critério de jogar para fora, em um pseudo Eles, toda a hostilidade que não
pode ser administrada por um grupo. Esse pode se reafirmar, somando cada um dos
Eus
inflados: ‘nós não possuímos essa característica e, portanto, a nossa
destrutividade poderá ser cultivada e desarregada a partir de atos’.
Podemos compreender como é crucial a diferença entre
solidariedade e piedade, a fim de que o primeiro termo não seja utilizado de
maneira leviana encobrindo o segundo. Hannah Arendt afirmou que pela lógica da
piedade há uma dissimetria de poder; ela é cruel, porque reforça a desigualdade[iii].
Na solidariedade, as pessoas são consideradas semelhantes. Na piedade segue
havendo um Eles.
Foto: Reprodução |
A fraternidade advinda da fragilidade percebida por um Nós,
que não esteja diante de um Eles, mas de algo invisível, pode
nos confrontar com a questão do quanto hoje é necessária uma solidariedade.
Essa marcada tanto pela nossa impotência diante do contágio, por nossa
pequenez, quanto pelo nosso desejo de não sermos potencialmente transmissores da morte, pela responsabilidade de nossas atitudes.
[i]
Sigmund Freud. Os Instintos e as suas vicissitudes. 1915.
[ii]
Narcisismo das pequenas diferenças é um conceito presente nos seguintes textos
freudianos: O Tabu da virgindade, de
1918 e Mal estar na civilização, de
1930.
[iii]
O conceito de piedade foi trabalhado por Arendt no livro Sobre
a Revolução de 1963.