Somos transmissores


 Sigmund Freud[i], ao visualizar a Estátua da Liberdade quando chegou à Nova York, formulou a seguinte frase proferida a um discípulo: ‘Eles não sabem que estamos trazendo a peste’. Retomamos essa afirmação para refletirmos sobre o quanto as ideias são transmitidas com imensa facilidade como vírus, independente de sua potencialidade ser boa ou má para sociedade.
Foto: Reprodução
Em tempos em que um vírus não conhecido pelo corpo humano se prolifera com facilidade e vai assustando o mundo, cada um se protege do contato físico. Um aperto de mão, um abraço ou uma proximidade física marcavam a presença de uma companhia e de uma cumplicidade. Hoje, cada vez mais, a presença do outro precisa estar repensada dentro de cada um para que um afastamento concreto seja realizado e a proximidade humana seja concretizada por essa ação.
É necessário para uma proteção efetiva contra o vírus que pode matar,  que os conselhos não ingressem apenas por ordens a serem obedecidas, mas por aquilo que cada ação representa. Cada um que se protege de se contaminar, cuida para não transmitir o vírus  àqueles sujeitos mais frágeis. Nessa situação está transmitindo um comportamento ético. Essa é transmissão necessária nesse momento: “Não basta concluir que o problema não é seu; ele é de todos”.
Mais importante que um contato físico, fica sendo qual é o tipo de mensagem que se transmite com as palavras. Sejam elas mensagens escritas, gravadas, virtuais, as palavras podem se  tornar uma ação de cuidado.
Estamos vivendo um momento em que a realidade nos convoca a refletir sobre o que desejamos transmitir e qual a nossa ação para não nos tornarmos veículos de transmissão do que não pretendemos. As nossas ações e palavras necessitam de uma coerência maior com a nossa posição. A falta de contato físico pode tocar a alma daqueles que não abandonaram o si mesmo.
A transmissão ética pode ser tão rápida e contagiosa como um vírus, desde que o egoísmo dê lugar para o ‘si mesmo’. Uma diferença: ocupar-se de si mesmo implica em observar qual é a  sua posição particular diante do semelhante e da sociedade; por outro lado, nas atitudes egoístas, o semelhante nem é percebido; apenas o igual é considerado, pois corresponde a uma imagem especular. 
Imagem: site do Terra
Refletir sobre cada atitude e cada ideia proporciona abertura para que o ‘si mesmo’ possa posicionar cada pessoa com maior autonomia e proteção diante de um desejo que utiliza conselhos recebidos apenas para argumentar uma pretensão egoísta.
Algumas pessoas cumprimentam outras com beijos, abraços, aperto de mão, mas não olham nos olhos. Algumas pessoas convivem lado a lado e não se escutam. Escutar alguém em uma conversa telefônica, olhar nos olhos de alguém num encontro poderá obter outra dimensão em tempos onde os encontros adquiriram outro significado. Ações éticas são aquelas que se ocupam da reflexão sobre não somente o que nos contamina, mas sobre o que almejamos transmitir.
A fim de transmitirmos inquietações como uma peste e não um vírus destrutivo, podemos contar hoje com mais recursos que possam contemplar Grupos e não massas.
Simone Engbrecht - psicanalista




[i] Esse relato aparece no Dicionário de Psicanálise de 1997 de Roudinesco e Plon.

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